Análise da importância da fluorescência nas cerâmicas dentais

A odontologia, desde os primórdios da humanidade, sempre se ocupou em repor dentes perdidos, que exercem papel fundamental na mastigação, fonética e estética. Com o surgimento das restaurações e ligas metálicas, grande avanço ocorreu no passado, pois próteses extensas passaram a ser confeccionadas com estrutura fina, mas resistente o suficiente para suportar os esforços exigidos na mastigação. No pós-guerra surge um avanço significativo na odontologia do ponto de vista estético, as próteses metalocerâmicas. Mais recentemente, com o advento das novas cerâmicas e associado ao desenvolvimento dos sistemas adesivos dentinários, o uso das ligas metálicas tornou-se um inconveniente para uma população esteticamente mais exigente e a odontologia mergulhou numa nova fase. Na busca do belo, um sorriso saudável e harmonioso se tornou sinônimo de confiança, sucesso profissional e até mesmo melhora de posição social. A busca por esses benefícios tem tornado a estética uma preocupação cada vez maior para os pacientes e, cada vez mais, tem sido o principal motivo da busca pelo tratamento odontológico. Consequentemente, os clínicos necessitam confeccionar restaurações mais efetivas na simulação da dentição natural, e a odontologia estética e restauradora passou a focar como seu principal objetivo a substituição das estruturas dentais perdidas ou comprometidas por materiais restauradores que possuam propriedades físicas, ópticas, biológicas e funcionais similares àquelas dos dentes naturais (CHU; AHMAD, 2003). Um dos fatores fundamentais para se obter êxito em qualquer tratamento restaurador é conhecer a anatomia e as características ópticas dos tecidos dentais, assim como dos materiais que os substituam. Além disso, se faz necessário estudar exaustivamente as diversas referências de cor, forma, textura e brilho da dentição natural, bem como os fenômenos ópticos de opalescência e fluorescência (FAHL JR; DENEHY; JACKSON, 1995; AHMAD,1999; MAGNE; DOUGLAS, 1999; DIETSCHI et al., 2000; DERBABIAN et al., 2001).

Entretanto, para que seja viável a obtenção de restaurações verdadeiramente naturais, os clínicos necessitam ter um conhecimento e entendimento profundo das características ópticas, bem como um treinamento adequado para a seleção e utilização dos materiais restauradores estéticos (BARATIERI; ARAÚJO JR; MONTEIRO JR, 2005; SENSI et al., 2006). As características ópticas dos dentes naturais que ocorrem quando há a interação da luz com esmalte, dentina e polpa, são as principais responsáveis pela sua beleza e aparência vital e natural. Tais características incluem graus variados de translucidez e opacidade, além dos efeitos especiais como irisdescência, opalescência e fluorescência (WINTER, 1993; BUDA, 1994; VANINI, 1996; AHMAD, 2000; DIETSCHI, 2001; BEHLE, 2001b; FONDRIEST, 2003; BARATIERI; ARAÚLO JR; MONTEIRO JR, 2005).

Pode-se dizer que luz não é somente as dimensões das cores (matiz, croma e valor) e seus diferentes comprimentos de onda, mas sua percepção também está relacionada a algumas propriedades físicas e ópticas inerentes às ondas eletromagnéticas. Essas propriedades estão diretamente ligadas ao meio em que a luz incide no objeto. Partindo-se do princípio que toda substância capaz de transmitir luz é um meio, os tecidos que compõem o órgão dental se enquadram nessa definição. Dessa forma, tal como acontece com outros meios, a luz quando é emitida sobre o dente, pode ser refletida, absorvida, refratada e difundida. (YAMAMOTO, 1986). Existem alguns fenômenos nos quais os corpos possuem a capacidade de gerar luz quando excitados. Luminescência é o nome dado ao fenômeno relacionado à capacidade que algumas substâncias apresentam em converter certos tipos de energia em emissão de radiação eletromagnética, com um excesso de radiação térmica. A luminescência é observada em todos os estados da matéria (gasoso, líquido ou sólido) e para compostos orgânicos e inorgânicos. A radiação eletromagnética emitida por um material luminescente ocorre usualmente na região visível do espectro eletromagnético, mas essa pode ocorrer também em outras regiões do espectro, tais como ultravioleta ou infravermelho. (LENZ, 2000). Dentro desse grupo encontramos a termoluminescência, a triboluminescência, a fosforescência e a fluorescência. (Fig. 1 A e fig. 1 B).

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Dessas propriedades, a fluorescência vem sendo considerada como a principal responsável pelo aspecto de vitalidade dos dentes. A fluorescência pode ser definida como a capacidade que algumas substâncias possuem de absorver a energia de uma luz energizante não visível e emiti-la em um comprimento de onda de luz visível. (DIETSCHI, 2001; VANINI, 1996a; VILLARROEL et al., 2004). Dessa forma, quando os raios Ultravioleta são emitidos sobre os dentes, pode-se observar uma luz branco-azulada denominada fluorescência dentária. A fluorescência está relacionada ao grau de mineralização do tecido dentário, e, embora esteja presente tanto no esmalte, como na dentina, neste último substrato mostra-se três vezes mais intensa, devido às suas características orgânicas.

Esta diferença se justifica devido à presença de fibras colágenas e aminoácidos específicos, como o triptofano. Sob luz natural a fluorescência faz com que o dente se mostre mais luminoso, conferindo luminescência internamente. Pode–se concluir então que a dentina é que tem a propriedade de emitir a fluorescência natural do dente. (fig. 2 A, B, C, D ,E e F) Por essa razão, a sua reprodução nas restaurações exerce uma influência essencial no nível de naturalidade que se tenta alcançar com o uso de materiais restauradores estéticos (FONDRIEST, 2003; LEE; LU; POWERS, 2005a; VILLAROEL; GOMES; GOMES, 2004; SENSI et al., 2006).

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Segundo Chain; Arcari e Lopes (2000) e Paulillo, Serra e Francischone (1997) as cerâmicas são a principal alternativa de tratamento restaurador para a estrutura dental, devido às suas propriedades, como biocompatibilidade, resistência à compressão, baixa condutibilidade térmica e elétrica, alto módulo de elasticidade, radiopacidade, integridade marginal, estabilidade de cor e, principalmente, elevado potencial para simular a aparência dos dentes (ANUSAVICE, 1998; DONG et al., 1992; CRAIG,1998). ( fig.3)

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Fluorescência nas cerâmicas dentais

Tradicionalmente as porcelanas são compostas por duas fases distintas. A fase cristalina, que geralmente possui cristais de alumina e leucita, e uma fase vítrea que basicamente é composta por feldspato de potássio, vidro e óxido de alumínio (MCLEAN; HUGHES, 1965). Outros compostos metálicos das cerâmicas odontológicas são o alumínio, lítio, magnésio, potássio, estanho, titânio e zircônio e não metálicos, como silício, boro, flúor e oxigênio. (CRAIG,1998). Estudos têm demonstrado que o comportamento das cerâmicas dentais podem não se assemelhar aos dentes em relação à fluorescência (CHU, S.J.; AHMAD, 2003).

As terras raras, componentes fluorescentes das resinas compostas, poderiam ser utilizadas também nas cerâmicas dentais. Íons de terras raras servem como aditivos de fluorescência em vidros com composição similar às cerâmicas dentais. Compostos como o európio podem ser usados como luminóforos (compostos que fornecem luminescência) nas cerâmicas dentais, pois mostram, uma intensa fluorescência branco-azulada e amarelada. Quando a queima das cerâmicas ocorre próximo aos 1000 °C, substâncias utilizadas para reprodução da fluorescência, são decompostos ou difusos na matriz cerâmica, dificilmente mantendo suas propriedades fluorescentes. Na tentativa de melhorar a estética das cerâmicas sob iluminação, Baran e O’brien (1977) estudaram a incorporação de urânio e cério como componentes fluorescentes. No entanto, estas substâncias que resistem a altas temperaturas não reproduzem a característica branco-azulada da estrutura do dente natural. Como o uranio é uma substancia radioativa não se permite utilizá-lo em seres humanos mesmo que em doses mínimas. Leinfelder (2000) relatou que para os clínicos que praticam restaurações estéticas em odontologia, particularmente no campo das cerâmicas, a fluorescência é uma propriedade física primordial. Dentes naturais são fluorescentes quando expostos à uma fonte de luz UV, seja natural ou artificial, o que lhes dá uma aparência mais clara.

Em outras palavras, eles emitem luz visível quando expostos à luz UV. A fluorescência proporciona vitalidade à restauração e minimiza o efeito metamérico entre o dente e o material restaurador. Quando dentes artificiais que não possuem fluorescência estão arranjados num mesmo arco dental com dentes naturais, aqueles se mostram bem mais escuros diante de fontes de luz branca, o que pode gerar um desconforto estético para os pacientes. Este desconforto pode ser desde uma aparência ligeiramente mais acinzentada sob luz natural, devido a um valor mais baixo do dente restaurado em relação aos demais; até uma aparência muito escura em uma casa noturna com luz ultravioleta. (Fig. 4 A, B, C e D ).

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Quando se finaliza uma cimentação de lentes e facetas em cerâmica seu desejo é devolver os aspectos naturais na maior totalidade possível em termos de forma, cor, textura e harmonia; sendo a fluorescência um fator de grande importância no comportamento óptico dos trabalhos em cerâmica. Há um grande contrassenso estabelecido na rotina clínica da odontologia estética. As cerâmicas, especialmente as que mimetizam a estrutura de esmalte, tem frequentemente se mostrado com baixa fluorescência, o que pode comprometer o resultado estético final de uma reabilitação com laminados. Mas, por outro lado, o paciente que procura um profissional para reabilitar esteticamente seu sorriso é muito exigente, e preza pelo seu sorriso, em todos os ambientes que ele possa frequentar. O mais agravante é que boa parte dos cirurgiões dentistas não sabe que a cerâmica que foi utilizada pelo TPD para confeccionar o laminado possa ter baixa fluorescência.

O que se tem observado clinicamente é que cimentos resinosos utilizados na fixação das lentes e facetas em porcelana podem compensar esta deficiência, emitindo fluorescência através da cerâmica, devolvendo o aspecto da dentição natural. (Fig. 5 A, B e C) No entanto, no mercado odontológico existem poucos cimentos com esta propriedade.

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Se faz necessário uma criteriosa atenção dos fabricantes em relação e este tema, pois milhões de pessoas no mundo todo estão recebendo estes trabalhos na procura da perfeição de seus dentes e podem se deparar, em determinadas condições de luz, com frustrantes resultados estéticos no seu sorriso. (Fig. 6 A, B e C) .

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Como mostrado no caso acima, a utilização de um cimento resinoso para colagem de uma faceta cerâmica (dente 21) devolve as características de fluorescência natural comparado ao dente 23 (natural). O dente 22 se apresenta com fluorescência extremamente baixa pois foi utilizado cimento resinoso sem fluorescência. Tal fato comprova a necessidade e a relevância de se utilizar cimento que tem a propriedade de devolver esta característica extremamente importante nos trabalhos cerâmicos.

 

Autoria do artigo: Valter Scalco (especialista e mestre em odontologia restauradora pela Unopar) e Carlos Eduardo Francci (professor associado do Departamento de Biomateriais e Biologia Oral Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo – USP e professor do Programa de Pós Graduação em Materiais Dentários Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo – USP)

 

Disponível em: https://docplayer.com.br/137768178-Valter-scalco-carlos-eduardo-francci-especialista-em-odontologia-restauradora-unopar-pr-mestre-em-odontologia-restauradora-unopar-pr.html

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2 comentários
  1. CAROS, SEMPRE QUE “PUBLICAREM” UM ARTIGO É DE BOM TOM E RESPONSABILIDADE ANUNCIAR OS AUTORES DO MESMO OU PODE SER CONSIDERADO PLAGIO… NO CASO DO ARTIGO SOBRE IMPORTÂNCIA DA FLUORESCENCIA NAS CERÂMICAS O MESMO É DE MINHA AUTORIA E O DR CARLOS FRANCI…

    1. Olá, Valter! Como vai?
      Pedimos as nossas sinceras desculpas pelo ocorrido. De fato, foi um descuido de nossa parte. Em geral, sempre temos o cuidado de citar os autores mas acabou por nos passar em branco.
      Já inserimos a autoria e o link para acesso do artigo.

      Novamente, pedimos desculpa.
      Abraços!

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