Introdução
A evolução da Odontologia nas últimas décadas através do aperfeiçoamento dos materiais, técnicas e métodos diagnósticos disponibilizou um grande arsenal de recursos ao clínico, tornando possível solucionar praticamente qualquer caso (MAGNE & BELSER, 2002).
A agenesia de incisivos laterais superiores é um distúrbio que, na grande maioria dos casos, traz como consequência uma estética bastante desagradável para o paciente. Existem duas alternativas terapêuticas para a substituição dos incisivos laterais congenitamente ausentes, a primeira é manter o espaço para reabilitações com implante ou prótese, e a segunda é fechar o espaço através da ortodontia e posterior reanatomização, convertendo os caninos em incisivos laterais e os pré-molares em caninos (AKTAS et al., 2010).
Planejar antecipadamente tratamentos integrados de uma forma sistemática e interdisciplinar, vislumbrando o resultado final do tratamento reabilitador, deve ser à estratégia para resolver previsivelmente situações clínicas complexas (SPEAR et al., 2006; SPEAR & KOKICH, 2007; LIMA, 2011).
A implantodontia, a partir da osseointegração, tornou-se uma importante alternativa terapêutica para reabilitação de áreas edêntulas (ALBREKTSSON et al., 1986; BUSER et al., 1997). O sucesso nos tratamentos implanto suportados em regiões arnteriores devem considerar o fator estético como um critério fundamental a ser alcançado (SMITH et al., 1989, BUSER et al., 2004). Nesse contexto, a instalação dos implantes em seu correto posicionamento tridimensional, através do planejamento reverso, possibilita a previsibilidade na manutenção, a estabilidade dos tecidos duros e moles e a resolução protética ideal (BUSER et al., 2004).
Além disso, preparos protéticos mais conservadores apresentam-se como uma realidade na prática clínica atual, com alta taxa de sucesso a longo prazo (MAGNE & BELSER, 2002; COTERT et al., 2009; GRANELL et al., 2010). Os materiais cerâmicos modernos, permitem a recriação da cor do dente, forma e estrutura para restabelecer não apenas o sorriso de um paciente, mas também sua auto-estima (MAGNE & BELSER, 2002).
Considerando que o número crescente de pacientes que necessitam de intervenções funcionais, através da abordagem interdisciplinar, e que a expectativa estética é cada vez mais alta, este trabalho foi idealizado com o objetivo de, através de descrição de um caso clínico, considerar as diferentes técnicas e estratégias relatadas para solucionar a ausência genética bilateral dos incisivos laterais superiores.
Relato de Caso Clínico
Apresentação do Caso
A paciente gênero feminino, 47 anos, Enfermeira, apresentava ausência congênita dos inicivos laterais superiores. Procurou o atendimento odontológico, pois não sentia-se segura ao executar a função mastigatória na região anterior, bem como evitava sorrir em virtude da estética dos seus dentes.
A paciente havia sido submetida a tratamento odontológico à três anos. Facetas de resina composta foram confeccionadas para os elementos dentais de 15 à 25. Nessa época, foi utilizado resina composta para reanatomização do incisivo lateral decíduo 52, e uma prótese adesiva foi instalada para substituir o elemento 22 (Figura 1).
Figura 1 – Situação clínica inicial
Plano de tratamento
O plano de tratamento começou com uma anamnese detalhada, ouvindo atentamente todos os desejos e preocupações da paciente. Um exame clínico seguido de uma série de fotografias foi executado. Foi realizado moldagem, obtenção dos modelos para estudo e montagem em articulador semi-ajustável. O planejamento virtual do sorriso foi executado e que forneceu as informações complementares para o enceramento diagnóstico (Figura 2).
A partir modelo encerado e replicado em gesso, uma guia cirúrgica de acetato foi fabricada em uma plastificadora a vácuo (PlastVac P7 – Bio-Art).
Os resultados do estudo da Tomografia Computadorizada Cone Bean do rebordo na maxila revelou alturas e larguras ósseas adequadas para instalação de implantes de forma simples e previsível (Figura 2 e 3).
Figura 2 – Planejamento virtual do sorriso
Procedimentos Clínicos
Fase Cirúrgica
Foi executado a exodontia do elemento 52 e curetagem apical seguido da instalação de um implante imediato na região do elemento 12. Para o implante do elemento 22 uma incisão de espessura total foi executada utilizando de uma incisão na zonas de crista óssea edêntula e incisões sulculares dos dentes adjacentes. Dois implantes Bone Level SLA 3.3 x 10 (Straumann, Waldenburg, Suíça) foram colocados nas posições de 12 e 22 de acordo com a guia cirúrgica (Figura 3).
Os tampa de cicatrização de 0,5mm foram instaladas, e a ferida foi suturada de acordo com o protocolo. Foi utilizado fio nylon 5.0 monofilamentado não reabsorvível. Próteses adesivas provisórias foram executadas.
A cicatrização das feridas pós-operatórias aconteceu sem intercorrências. As suturas foram removidas após 7 dias.
Figura 3 – Planejamento virtual do sorriso e radiografias periapicais tras-cirúrgica
Fase Provisória
Após 2 meses tudo estava cicatrizado, a reabertura cirúrgica foi executada e cilindros provisórios foram posicionados sobre os implantes (Figura 4). Facetas pré-fabricadas foram capturadas e embasadas com resina flow (Estelite Flow Quick – Tokuyama – Japão) iniciando o processo de condicionamento gengival dos elementos 12 e 22.
Após 21 dias foi possível observar o condicionamento gengival obtido a partir dos provisórios (Figura 5). Facetas diretas de resina composta foram confeccionadas nos elementos dentários 13, 11, 21 e 23 a fim de alinhar e harmonizar o sorriso conforme o planejamento prévio.
Figura 4 – Cilindros provisórios posicionados sobre os implantes
Figura 5 – Condicionamento gengival e perfil de emergência obtido através da personalização do provisório
Restaurações definitivas
Depois de dois meses, a paciente aprovou a estética e conforto mastigatório. Preparos para facetas dos elementos 13, 11, 21 e 23 foram executados sobre as restaurações temporárias (Figura 6).
Figura 6 – Canaletas de demarcação de preparo sobre as restaurações provisórias
As restaurações provisórias dos elementos 12 e 22 conectadas aos análogos do implante foram introduzidas em silicone transparente (Scan Translux – Yller Biomateriais SA – Brasil), e, em seguida, removido as coroas provisórias do análogo, obteve-se um modelo do perfil de emergência gengival em silicone, criado pelo condicionamento do provisório. Depois disso, foi conectado os transferentes aos análogos e vazado resina composta flow A1 (Estelite Flow Quick – Tokuyama – Japão) (Figura 7).
Figura 7 – Personalização dos transferentes de moldagem
Os transferentes individualizados com resina flow foram fixados em boca. Os terminos dos preparos dos elementos 13, 11, 21 e 23 foram retraídos com fio nº 000 (Ultrapak – Ultradent – USA) não impregnado. Um segundo fio nº 0 (Retractor – Maquira – Brasil) foi introduzido por toda extensão dos preparos (Figura 8).
Figura 8 – Transferentes personalizados e fios retratores posicionados previamente a moldagem
Para a impressão final, usamos uma moldeira personalizada, pela técnica de moldeira aberta e um silicone de adição em consistência pesada e leve (Scan Putty e Scan Light – Yller Biomateriais SA – Brasil) foram utilizados como o material de escolha (Figura 9).
Figura 9 – Moldagem de transferência em silicone de adição
O registro oclusal foi realizado com silicone bite (Scan Bite – Yller Biomateriais SA – Brasil). Novos provisórios com resina composta direta foram realizados para os elementos 13, 11, 21 e 23 com um ponto de adesão no centro de cada restauração. Os provisórios dos implantes foram posicionados novamente em boca e os modelos foram encaminhados para o laboratório.
Nos implantes dos elementos 12 e 22 o técnico em prótese dentária confeccionou abutments personalizados em óxido de zircônia sobre os pilares (Variobase – Straumann – Suíça). Coroas totais em dissilicato de lítio (IPS e.max – Ivoclar Vivadent), tipo prótese cimentada, foram selecionadas como alternativa estética sobre a zircônia (Figura 10).
Figura 10 – Abutments personalizados de zircônia e coroas de emax para próteses sobre implantes
Nos preparos dos dentes quatro facetas de dissilicato de lítio (IPS e.max – Ivoclar Vivadent) foram aplicadas (Figura 11).
Figura 11 – Abutments, coroas e facetas
As peças protéticas apresentaram perfeita adaptação sobre o modelo de trabalho (Figura 12).
Figura 12 – Peças protéticas adaptadas sobre modelo
A prova seca das cerâmicas metal-free foi realizada. Houve uma excelente adaptação das peças protéticas aos preparos e a estética foi aprovada pela paciente.
Sob isolamento absoluto modificado, o parafusamento dos abutments sobre os implantes seguiu o protocolo do fabricante com 35N de torque para o pilar Variobase (Figura 13).
Figura 13 – Parafusamento dos abutments 35N de torque sobre os implantes
A seguir o protocolo de cimentação padrão foi conduzido. Fios retratores nº 000 (Ultrapak – Ultradent – USA) foram introduzidos nos preparos. Aplicação de acido fosfórico por 15 segundos em dentina e 30 segundos em esmalte, lavagem abundante pelo dobro do tempo de aplicação do ácido (Figura 14).
Figura 14 – Retração e condicionamento dos tecidos
O sistema adesivo (Ybond Mono – Yller Biomateriais SA – Brasil) foi utilizado de acordo com as instruções do fabricante. As peças haviam recebido o jateamento com oxido de alumínio no laboratório, logo foram condicionadas com ácido fluorídrico por 20 segundos, lavadas abundantemente, secas e silanizadas por 60 segundos com agente de união (Sylano – Yller Biomaterias SA – Brasil). Sobre os copins de zircônia foi aplicado agente de união (Yzap – Yller Biomateriais SA – Brasil) O cimento resinoso livre de aminas (Ycem Veneer – Yller Biomateriais SA – Brasil) na cor bleach foi utilizado para a cimentação das facetas dos elementos 13, 11, 21 e 23. Para a cimentação das coroas sobre os abutments foi utilizado o cimento dual, de mesma cor, também livre de aminas (Ycem 4all – Yller Biomateriais SA – Brasil) (Figura 15).
Figura 15 – Protocolo de cimentação adesiva coroas e facetas
Os excessos foram removidos com lamina de bisturi nº 12. O resultado imediato das restaurações anteriores mostraram-se satisfatórias (Figura 16) e a aparência do sorriso extremamente natural (Figura 17).
Figura 16 – Resultado imediato
Figura 17 – Resultado 15 dias após cimentação
Figura 18 – Sorriso em vista lateral
Figura 19 – Sorriso em vista frontal pré operatório, planejamento digital e pós operatório
Considerações Finais
O diagnóstico e o planejamento, desenvolvidos no início do caso, auxiliam na determinação das necessidades, previsibilidade e prognóstico dos procedimentos cirúrgicos e protéticos que foram executados.
Ao remodelar o sorriso de uma paciente através de técnicas restauradoras modernas e implantes dentários podemos recuperar o conforto, a funcionalidade, a estética e a auto-confiança de uma paciente.
BIBLIOGRAFIA
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BUSER, D.; MIRICSKE-STERN, R.; BERNARD, J. P.; BEHNEKE, A.; BEHNEKE, N.; HIRT H. P. et al. Long-term evaluation of non-submerged ITI implants. Part1: 8 year life table analysis of a prospective multi-center study with 2359 implants. Clin. Oral. Imp. Res; 8:161-72, 1997.
BUSER, A.; MARTIN, W.; BELSER, U. C. Optimizing esthetics for implant restorations in the anterior maxilla: anatomic and surgical considerations. Int J Oral Maxillifac Implants, 19(SUPPL):43–61, 2004.
COTERT, H. S.; DUNDAR, M.; OZTURK, B. The effect of various preparation designs on the survival of porcelain laminate veneers. J Adhes Dent, 11:405–411, 2009.
GRANELL-RUIZ, M.; FONS-FONT, A.; LABAIG-RUEDA, C.; MARTÍNEZ-GONZÁLEZ, A.; ROMÁN-RODRIGUEZ, J. L.; SOLÁ-RUIZ, M. F. A clinical longitudinal study porcelain laminate veneers. Period of study from 3 to 11 years. Med Oral Patol Oral Cir Bucal,15:e531–e537, 2010.
LIMA, F. Prótese dentária: fundamentos e técnicas, reabilitaçao oral para todos. 2ed., Ed. Editora Ponto, 2011.
MAGNE, P.; BELSER, U. Bonded Porcelain Restorations in the Anterior Dentition: A Biomimetic Approach. Chicago: Quintessence, 2002.
SPEAR, F. M.; KOKICH, V. G.; MATHEWS, D. P. Interdisciplinary management of anterior dental esthetics. J Am Dent Assoc, 137;160-169, 2006.
SPEAR, F. M.; KOKICH, V. G. A Multidisciplinary Approach to Esthetic Dentistry Dent Clin N Am, 51, 487–505, 2007.
Autores:
Gregori Franco Boeira
Mestre e PhD em Dentística Restautradora – PPGO-UFPel
Especialista em Implantodontia – IPENO – Florianópolis – SC
Prática clínica privada com ênfase em Odontologia Restauradora e Estética em Pelotas – RS
Alexandre Domingues Boucinha
Técnico em Prótese Dentária