O Conselho Federal de Odontologia (CFO) reconheceu a harmonização orofacial como uma especialidade da odontologia em 2019. Desde então, o assunto se tornou um tanto quanto polêmico entre cirurgiões-dentistas e médicos, que discutem quem deveria ser o profissional responsável por este tipo de tratamento.
De acordo com a legislação vigente que regula a Odontologia no Brasil (Lei 5.081/66) e a Resolução-CFO-198/2019, o cirurgião-dentista pode e tem conhecimentos necessários da face para realizar a harmonização orofacial, assim como médicos.
Basicamente, a harmonização orofacial consiste em alguns procedimentos simples para harmonizar o rosto e o sorriso do paciente, pensando no lado funcional e na estética.
Para entender melhor o caso, preparamos este artigo e vamos explicar os argumentos da medicina e odontologia, legislação e ética, quais práticas podem ser feitas no consultório odontológico e como funcionam as especializações na área de harmonização orofacial. Acompanhe!
O que dizem os médicos?
Em 2019, o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou na justiça contra o Conselho Federal de Odontologia pelo direito exclusivo dos procedimentos de harmonização orofacial.
Em nota, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou contra a resolução nº 198. De acordo com a comunidade médica, ela desrespeita a legislação e permite cirurgiões-dentistas fazerem procedimentos invasivos e que são exclusivos da medicina.
Em outra nota, o CFM e Associação Médica Brasileira (AMB) argumentam que a harmonização orofacial pede por conhecimentos específicos e pode apresentar algumas complicações clínicas.
Entre as complicações que podem acontecer durante o processo de harmonização orofacial, estão: cicatrizes, deformidades, necrose e cegueira (pode ocorrer quando o produto é aplicado incorretamente e acaba por ir para a corrente sanguínea), lesão de pele e reação alérgica.
O que diz a Odontologia?
O CFO explica que os procedimentos realizados são apenas aqueles que implicam a cavidade bucal, musculatura e tecidos da face. Os profissionais da Odontologia possuem o conhecimento aprofundado da anatomia facial e das medidas faciais e dentais, importantes para o equilíbrio estético e funcional.
As especializações na área de harmonização orofacial têm carga mínima de 500 horas, além dos conhecimentos adquiridos ao longo da graduação. Ao se especializar, o cirurgião-dentista se aprofunda no procedimento estético, nas técnicas e quais ações devem ser realizadas.
Uma vez especializado, o profissional passa a entender sobre recomendações e contraindicações para que possa fazer tudo em segurança, respeitando o bem-estar e a saúde do paciente.
Legislação e ética sobre harmonização orofacial na odontologia
Após entender os embates desta discussão, vamos nos aprofundar sobre a ética e a legislação para a harmonização orofacial na odontologia.
A Lei 5081/1966, responsável por regulamentar a odontologia no Brasil, afirma que “compete ao cirurgião-dentista prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, indicadas na odontologia”, assim como “praticar todos os atos pertinentes à odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-graduação”.
Quanto aos conhecimentos adquiridos durante os cursos de graduação e pós-graduação, a Resolução 176/2016 relembra que cirurgiões-dentistas atuam na face e em estética (conforme a Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia).
Atualmente, não existe legislação que proíba o cirurgião-dentista de realizar procedimentos estéticos na face, exceto os procedimentos que estão na resolução CFO-100/2010.
De acordo com o CFO, harmonização orofacial é uma das especialidades odontológicas.
Portanto, a resolução 176/2016 resolve os seguintes pontos:
Art. 1º – Autorizar a utilização da toxina botulínica e dos preenchedores faciais pelo cirurgião-dentista, para fins terapêuticos funcionais e/ou estéticos, desde que não extrapole sua área anatômica de atuação.
§ 1º – A área anatômica de atuação clínico-cirúrgica do cirurgião-dentista é superiormente ao osso hióide, até o limite do ponto násio (ossos próprios de nariz) e anteriormente ao tragus, abrangendo estruturas anexas e afins.
§ 2º – Para os casos de procedimentos não cirúrgicos, de finalidade estética de harmonização facial em sua amplitude, inclui-se também o terço superior da face.
Em questões éticas, é importante lembrar, primeiramente, qual a definição que a Organização Mundial de Saúde (OMS) dá para saúde: “um estado de complemento ao bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções e enfermidades”.
De acordo com o Código de Ética Odontológica, é importante considerar as motivações da atuação do profissional cirurgião-dentista:
- A odontologia trabalha em benefício da saúde do ser humano, da coletividade e do meio ambiente
- Cabe aos profissionais de odontologia dirigir ações que visem satisfazer as necessidades de saúde da população
- É um dever fundamental zelar pela saúde e dignidade do paciente
Portanto, a Odontologia não acontece só com o intuito de proporcionar saúde bucal, mas também busca proporcionar autoestima em todas as pessoas, uma vez que isso interfere no bem-estar psicológico do paciente.
Um olhar humanizado sobre expectativas e desejos do paciente
Como já vimos, falar de odontologia e bem-estar é mais complexo e aprofundado do que parece, não é mesmo? Se antigamente a área focava apenas na boca, hoje, ela tornou-se mais humanizada e, por isso, trabalhamos com o conceito “odontologia além da boca”.
E o que isso significa? Quando recebemos um paciente, é preciso ver, primeiramente, que temos alguém ali, uma pessoa. Esse alguém, em muitos casos, não procura apenas uma resposta para saúde, como também busca levantar a autoestima.
E como já dissemos, a autoestima está diretamente ligada ao bem-estar psicológico e, consequentemente, se sentir seguro de si, seja para trabalhar ou para o simples ato de sorrir em uma fotografia.
Quando recebemos um paciente que busca uma harmonização orofacial, é preciso entender que estamos trabalhando com expectativas de autoestima, mas também que todos somos belos com as nossas diferenças e traços, e é aí que entra a questão ética de saber reconhecer limites em um procedimento.
Portanto, a harmonização orofacial pode ser uma questão muito humana e empática, quando pensamos em pacientes que passam por acidentes ou sofrem com a paralisia facial. Nesses casos tão delicados, a autoestima é gravemente ferida.
Cabe ao cirurgião-dentista saber ouvir, conversar, explicar e mostrar o caminho correto para um procedimento seguro e ético.
A odontologia deve acontecer além da boca: deve atuar de forma humanizada e entendendo que trabalha com expectativas, desejos e autoestima.
Harmonização facial: um mercado em crescimento
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), entre 2014 e 2016 houve aumento de 390% na busca por procedimentos não cirúrgicos, enquanto os cirúrgicos cresceram apenas 8%.
A justificativa para esse crescimento, segundo a SBCP, se dá pela grande busca de jovens pela harmonização orofacial, pelos procedimentos menos invasivos e por haver mais profissionais atuando nessa área.
De acordo com reportagem da Rádio USP, o que justifica jovens buscarem pelos procedimentos de harmonização orofacial é por não serem cirúrgicos e, claro, não podemos deixar de citar a influência das redes sociais e de famosos nessa decisão.
Indicamos a escuta do podcast da Rádio USP sobre o assunto.
Cresce o número de jovens em busca de procedimentos estéticos
O censo de 2018 da SBCP apresenta uma comparação entre os anos de 2014, 2016 e 2018 sobre a evolução dos tipos de procedimento não cirúrgicos.
A seguir, vamos trazer a comparação feita apenas entre os procedimentos permitidos para cirurgiões-dentistas e que constam no documento, que é o preenchimento, a aplicação de toxina botulínica e a suspensão com fio.
Em 2014, a porcentagem de preenchimentos feitos era de 79,2%. Quatro anos depois, esse número subiu para 89,6%.
Já com relação à toxina botulínica, em 2014, o número era 82,2% e, em 2018, subiu para 95,7%, embora este último dado tenha tido uma queda em relação ao ano de 2016, que fechou com 96,4%.
A suspensão com fios, em 2014, em porcentagem equivalia a 17,8%, enquanto que em 2018, o número foi para 21,6%.
Em relação aos procedimentos cirúrgicos, a bichectomia é o único permitido aos cirurgiões-dentistas. Em um ranking de 17 tratamentos, ela ocupou o 16º lugar, com 0,6%.
Como trabalhar com a harmonização no consultório
Como podemos ver até agora, trabalhar com a harmonização orofacial requer diversas responsabilidades éticas, legais, saber lidar com a expectativa do paciente, entender os limites do seu trabalho e suprir as lacunas de conhecimentos de urgência no consultório.
A partir do momento em que o cirurgião-dentista está capacitado para atuar na área, é preciso saber como passar confiança para pacientes, afinal, estamos falando de procedimentos delicados e que influenciam a vida e a autoestima das pessoas.
Planejar estratégias para atrair pacientes de forma ética é essencial e, nesse caso, as redes sociais podem ser grandes aliadas para apresentar o seu trabalho, tirar dúvidas e estabelecer contato com colegas de profissão e com pessoas interessadas nos procedimentos.
Nesse caso, fazemos uma ressalva para a importância de conhecer aspectos éticos do Código de Ética Odontológica sobre a divulgação de trabalho em redes sociais.
No canal Inthera Soluções Terapêuticas, você confere a entrevista com a Dra. Juliana Campana, especialista em harmonização orofacial. No vídeo, ela dá dicas de como atuar no consultório com a área.
Procedimentos de harmonização orofacial no consultório
Já esclarecemos as questões legislativas e éticas, agora chegou o momento de entendermos melhor quais são os procedimentos de harmonização orofacial que podem ser realizados no consultório odontológico.
Aplicação da toxina botulínica
A toxina botulínica, ou botox, é uma das técnicas mais utilizadas para procedimentos de harmonização orofacial. Além da estética, o botox tem finalidade terapêutica funcional e pode ser utilizado para solucionar problemas, como bruxismo, dores de cabeça causadas pela tensão e sorriso gengival.
Na parte estética, é aplicado para eliminação de rugas e correção da assimetria facial.
Bichectomia
A bichectomia é uma cirurgia simples e que tem sido cada vez mais procurada, especialmente por mulheres, para deixar o rosto mais fino e alongado.
O procedimento consiste na retirada das bolas de Bichat, uma bolsa de gordura nas bochechas, entre a mandíbula e as maçãs do rosto.
Fios de dermosustentação
Esta técnica aplica fios tensores na face, que produzem um efeito anti-gravitacional e elevam os tecidos. O procedimento é sem nenhum corte e é feito através de pequenos orifícios por agulhas.
A técnica é indicada para eliminar flacidez leve e média no pescoço, corrigir a papada, levantar o arco da sobrancelha e reposicionar as maçãs do rosto.
Preenchimento com ácido hialurônico
A aplicação do ácido hialurônico é um procedimento para corrigir rugas e linhas de expressão no rosto através da reposição do volume de uma determinada região da face.
O objetivo do procedimento é também redefinir contornos do rosto, como mandíbula, nariz e maçãs, e, além disso, corrigir olheiras.
Em resumo, os procedimentos faciais autorizados na região facial são:
- Uso da toxina botulínica, preenchedores faciais e agregados leucoplaquetários autólogos
- Intradermoterapia e o uso de biomateriais indutores percutâneos de colágeno
- Procedimentos biofotônicos e laserterapia; realizar tratamento de lipoplastia facial, técnica de bichectomia e técnicas cirúrgicas para a correção dos lábios (liplifting)
Os procedimentos estéticos, como harmonização orofacial, são procurados tanto por mulheres e homens que buscam corrigir alguns pontos do rosto.
Como precificar os procedimentos
Precificar os procedimentos de forma justa e correta é muito importante, afinal, estamos falando de técnicas e produtos mais caros.
Para que os valores sejam dados de forma justa, a dica é analisar diversos aspectos da gestão financeira do consultório. Alguns pontos que merecem atenção, são:
- Considerar os valores pagos com impostos
- Verificar se é possível parcelar e se isso afetará a gestão financeira do consultório
- Os valores estão de acordo com objetivos e metas do consultório
- Qual o valor de todos os produtos utilizados no processo
- Alinhar de acordo com as despesas variáveis, fixas, lucro, investimentos etc.
- Qualidade do trabalho ofertado
- Quantidade de pacientes atendidos
Uma forma de pensar em todos esses pontos é através de uma cálculo para atingir a precificação:
PV = (CV+CF)/(1-(M+R+I+T))
Para entender melhor, confira a legenda do significado de cada letra:
- PV: preço de venda à vista
- CV: custo variável (material)
- CF: custo fixo
- M: margem de lucro
- R: remuneração do cirurgião-dentista e outros envolvidos
- I: impostos
- T: taxas do cartão
Para ter uma ideia dos valores, indicamos que assista ao vídeo do canal Dra. Bruna Atzei, que explica os preços finais para pacientes.
É importante lembrar aos pacientes que os valores irão depender de uma avaliação prévia, afinal, cada pessoa tem suas próprias características.
Tecnologias para harmonização orofacial
Assim como em todas as áreas da odontologia, as tecnologias surgem e se tornam cada vez mais necessárias para garantir resultados precisos e, consequentemente, procedimentos de sucesso.
Na harmonização orofacial não é diferente: a área pode exigir diversos aparelhos e técnicas para planejar o procedimento a ser feito, entretanto, é necessário a constante atualização do cirurgião-dentista.
Uma delas é a tecnologia 3D, que permite o escaneamento facial e, dessa forma, o cirurgião-dentista pode estudar minuciosamente e de forma precisa o rosto, antes de realizar qualquer procedimento.
Isso auxilia na hora de tirar medidas, fazer análise da face parcialmente, além de outras informações cruciais para a harmonização facial.
No vídeo do canal IMPLAR Hospital Odontológico, você confere como funciona essa tecnologia.
A prótese 3D também se tornou grande aliada dos procedimentos estéticos, pois diminui o risco de infecções pós-operatórias e auxilia a corrigir a assimetria do rosto, a macrogenia e a microgenia, entre outros.
O scanner intraoral é outra das tecnologias que chegaram para oferecer precisão nos procedimentos. Com ela, é possível captar a estrutura bucal e realizar um planejamento digital do tratamento a ser oferecido.
Cursos de harmonização orofacial
A harmonização orofacial, como especialidade odontológica reconhecida pelo CFO, pode ser aprofundada por cursos de pós-graduação ou especialização.
A resolução CFO-198/2019, que regula esta especialidade em odontologia, decreta que pode ser considerado cirurgião-dentista especialista em harmonização orofacial e reconhecido pelos conselhos regionais e federais o profissional que tiver “cursos de especialização com carga horária mínima de 500 horas, divididas em, no mínimo, 400 horas na área de concentração, 50 horas na área conexa e 50 horas para disciplinas obrigatórias”.
O corpo docente deve ser composto inteiramente por especialistas em harmonização orofacial registrados no Conselho Federal de Odontologia.
O CFO só dará o registro de título de especialista em harmonização orofacial àqueles que obtiveram a certificação em instituições regulamentadas pelo MEC ou credenciadas do Conselho Federal de Odontologia.
As discussões sobre harmonização orofacial ainda têm pela frente um consenso entre médicos e odontologistas, entretanto, a lei permite a atuação de ambos os profissionais, o que faz com que esta área seja mais um caminho a explorar para os cirurgiões-dentistas.
Se você pensa em se especializar, não deixe de pesquisar as instituições regularizadas corretamente, conforme indicação do Conselho Federal de Odontologia.
Aproveite e continue acessando conteúdos sobre novidades e dicas de tecnologia para o seu consultório no Blog da Surya Dental!