O câncer de boca é uma das doenças mais relevantes da odontologia e da medicina, não apenas pela sua incidência, mas pelo impacto que causa na saúde e na qualidade de vida dos pacientes. Embora seja um tumor que pode atingir diferentes áreas da cavidade oral, ainda é muitas vezes negligenciado, tanto pelo público quanto por profissionais que não estão atentos a seus sinais iniciais.
O desafio maior está no fato de que seus sintomas iniciais podem passar despercebidos ou ser confundidos com alterações benignas, como aftas, traumas de próteses ou inflamações locais. No entanto, pequenas feridas, manchas persistentes ou dores crônicas podem esconder uma condição muito mais séria, que exige diagnóstico rápido e intervenção especializada.
Por outro lado, quando identificado precocemente, o câncer de boca apresenta altas chances de cura e menor impacto funcional e estético para o paciente. Por isso, a conscientização dos profissionais da odontologia é fundamental para promover não só a detecção precoce, mas também o acompanhamento preventivo, a orientação sobre hábitos de risco e a promoção de saúde bucal em todos os níveis da atenção.
O que é o câncer de boca?
O câncer de boca é um tumor maligno que se desenvolve a partir da proliferação descontrolada de células anormais na mucosa oral. Ele pode surgir em diferentes regiões da cavidade, como lábios, língua, gengivas, assoalho bucal, palato duro e bochechas, sendo a língua e o lábio inferior áreas de maior ocorrência.
Trata-se de uma doença com impacto significativo na saúde, pois além de comprometer funções essenciais como fala, mastigação e deglutição, também afeta a estética e a qualidade de vida do paciente. Por isso, é fundamental que profissionais de saúde sigam um protocolo para pacientes oncológicos, garantindo acompanhamento adequado desde o diagnóstico até o tratamento, com foco na prevenção de complicações e na manutenção da qualidade de vida.
O tipo histológico mais comum é o carcinoma espinocelular (CEC), que representa a grande maioria dos casos. Ele se caracteriza pelo crescimento progressivo, com capacidade de invadir tecidos profundos, ossos e linfonodos cervicais, podendo ainda gerar metástases à distância.
Principais causas e fatores de risco do câncer de boca
O câncer de boca é resultado da interação entre predisposições genéticas e fatores ambientais que atuam ao longo do tempo. Identificar esses riscos é essencial para a prevenção e para o diagnóstico precoce. A seguir, veja os principais fatores relacionados ao desenvolvimento da doença:
1. Tabagismo
O tabaco é o fator de risco mais significativo para o câncer de boca. Fumantes apresentam até seis vezes mais chances de desenvolver a doença quando comparados a não fumantes. Isso inclui cigarro, charuto, cachimbo, narguilé e também o cigarro eletrônico na saúde bucal, que exige atenção odontológica, pois a exposição frequente à nicotina e a outros compostos químicos pode irritar a mucosa oral, favorecer inflamações crônicas e aumentar o risco de alterações celulares.
Pacientes que usam cigarros eletrônicos podem apresentar gengivas sensíveis, manchas na mucosa ou predisposição a doenças periodontais, tornando essencial o acompanhamento odontológico regular.
2. Alcoolismo
O consumo frequente e excessivo de álcool potencializa os efeitos nocivos do tabaco. O álcool atua como um solvente, facilitando a penetração das substâncias tóxicas do cigarro nos tecidos da boca. Quando tabaco e álcool estão associados, o risco de câncer de boca aumenta exponencialmente, tornando essa combinação extremamente perigosa.
3. Infecção pelo HPV
A infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), especialmente pelo subtipo 16, está associada a tumores em regiões da orofaringe e da cavidade oral. A transmissão ocorre principalmente por contato sexual, e a presença do vírus pode induzir alterações genéticas que favorecem o surgimento de células malignas.
A higiene bucal diminui o risco de HPV, ajudando a reduzir a carga viral e mantendo a mucosa oral mais saudável. Além disso, a vacinação contra HPV continua sendo uma das estratégias mais eficazes de prevenção.
4. Exposição solar crônica
A exposição frequente e sem proteção à radiação ultravioleta é uma das principais causas do câncer de lábio, principalmente o inferior. Esse risco é maior em pessoas que trabalham ao ar livre, como agricultores, pescadores e trabalhadores da construção civil. O uso de protetores labiais com fator de proteção solar (FPS) e barreiras físicas, como chapéus de aba larga, ajuda a reduzir significativamente esse risco.
5. Traumas crônicos
Próteses mal adaptadas, dentes quebrados ou em posição irregular e até o hábito de morder a mucosa oral podem causar lesões repetidas. Esses microtraumas contínuos favorecem inflamações e modificações celulares que, ao longo do tempo, podem evoluir para lesões cancerígenas. Por isso, o acompanhamento odontológico regular é essencial para identificar e corrigir fatores mecânicos de risco.
6. Má higiene bucal
A higiene oral inadequada contribui para inflamações recorrentes, acúmulo de biofilme e infecções oportunistas. Essas condições geram um ambiente propício para alterações celulares, que podem evoluir para lesões pré-malignas. O cuidado com a higiene oral e o acompanhamento periódico no consultório odontológico são medidas simples que fazem diferença na prevenção.
7. Histórico familiar e predisposição genética
Indivíduos com histórico familiar de câncer de boca ou de outros tipos de câncer apresentam maior vulnerabilidade. A predisposição genética pode influenciar a capacidade de reparo celular e a resposta imunológica, aumentando a probabilidade de desenvolvimento da doença, especialmente quando associada a fatores ambientais, como tabaco e álcool.
Sintomas mais comuns do câncer de boca
O câncer de boca pode, em muitos casos, se manifestar de maneira discreta, confundindo-se com lesões comuns da cavidade oral. No entanto, é fundamental que cirurgiões-dentistas e profissionais da saúde estejam atentos a sinais persistentes, pois a detecção precoce pode mudar totalmente o prognóstico do paciente.
- Feridas ou úlceras que não cicatrizam em até 15 dias: especialmente quando apresentam bordas elevadas e endurecidas;
- Manchas brancas (leucoplasia) ou vermelhas (eritroplasia): lesões consideradas pré-malignas, que podem evoluir para câncer se não tratadas;
- Nódulos ou espessamentos na mucosa oral: geralmente indolores no início, mas que podem indicar a presença de tecido tumoral;
- Dor ou sensação de ardência constante: diferente de aftas, que melhoram espontaneamente;
- Sangramento espontâneo na boca: sem relação com traumas ou escovação;
- Dificuldade para mastigar, engolir ou falar: devido à presença de lesões ou à invasão tumoral em tecidos adjacentes;
- Rouquidão persistente ou alteração da voz: quando o câncer atinge regiões próximas à laringe ou faringe;
- Mobilidade dentária sem causa aparente: especialmente em pacientes sem histórico de doença periodontal avançada.
Qual a importância do diagnóstico precoce do câncer de boca?
O diagnóstico precoce é determinante para o prognóstico do câncer de boca. Quando a doença é identificada em estágios iniciais, as chances de sucesso no tratamento são significativamente maiores, alcançando taxas de sobrevida em cinco anos superiores a 80%. Em contrapartida, quando o tumor é descoberto em fases avançadas, esse índice cai drasticamente, o que reforça a importância de avaliações regulares e da atenção a sinais persistentes que não cicatrizam espontaneamente.
Para chegar a um diagnóstico preciso, diferentes recursos podem ser utilizados. O exame clínico minucioso, realizado em consultas de rotina, é a primeira e mais importante ferramenta de detecção. O papel do dentista no diagnóstico do câncer bucal inclui identificar alterações suspeitas precocemente, orientar o paciente sobre hábitos de risco e indicar exames complementares quando necessário.
Caso sejam observadas alterações suspeitas, a confirmação ocorre por meio da biópsia, seja incisional ou excisional, permitindo a análise histopatológica.
Além disso, exames de imagem como tomografia, ressonância magnética e PET-CT auxiliam na avaliação da extensão da lesão e na investigação de possíveis metástases. Nesse contexto, o cirurgião-dentista desempenha papel central, já que costuma ser o primeiro profissional a identificar sinais sugestivos da doença e encaminhar o paciente para investigação imediata.
Quais são os tratamentos mais indicados para o câncer de boca?
O tratamento do câncer de boca depende diretamente do estágio do tumor, da localização da lesão e das condições clínicas do paciente. Na maioria dos casos, é necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar para garantir não apenas o controle da doença, mas também a preservação da qualidade de vida. A seguir, estão as principais abordagens terapêuticas:
1. Cirurgia oncológica
A cirurgia é o tratamento de primeira escolha na maioria dos casos de câncer de boca. Ela envolve a remoção completa da lesão primária com margens de segurança, garantindo que células tumorais residuais sejam eliminadas. Quando existe risco de disseminação para linfonodos cervicais, realiza-se o esvaziamento cervical, prevenindo a progressão da doença.
Em casos avançados, podem ser necessários procedimentos reconstrutivos, que utilizam enxertos ósseos ou musculares, além de materiais de cirurgia odontológica especializados, para restaurar a função mastigatória, a fala e a estética facial. O planejamento cirúrgico detalhado é fundamental para equilibrar eficácia oncológica e preservação da qualidade de vida.
2. Quimioterapia
A quimioterapia é usada em situações específicas, como tumores localmente avançados ou metastáticos, geralmente em associação à radioterapia (quimiorradioterapia). Seu objetivo é reduzir a carga tumoral, aumentar a eficácia do tratamento local e sistêmico e controlar a progressão da doença.
Apesar de poder causar efeitos sistêmicos como náuseas, fadiga e alterações hematológicas, a quimioterapia é uma ferramenta importante para casos complexos, podendo ser administrada antes da cirurgia para reduzir o tamanho do tumor (tratamento neoadjuvante) ou após a cirurgia para eliminar células residuais (adjuvante).
3. Radioterapia
A radioterapia é indicada tanto isoladamente em tumores iniciais quanto como tratamento complementar após a cirurgia. Ela utiliza radiação ionizante para destruir células cancerígenas que possam ter permanecido no local da lesão ou em linfonodos adjacentes.
Embora eficaz, a radioterapia pode causar efeitos colaterais como mucosite (inflamação da mucosa), xerostomia (boca seca) e alterações no paladar, que precisam ser monitorados e manejados com acompanhamento especializado. O planejamento personalizado da dose e da área irradiada é essencial para maximizar o controle do tumor e minimizar impactos nos tecidos saudáveis.
4. Terapias-alvo e imunoterapia
Em pacientes selecionados, especialmente quando o câncer não responde aos tratamentos convencionais, podem ser indicadas terapias-alvo ou imunoterapia. Essas abordagens modernas utilizam medicamentos que bloqueiam sinais de crescimento específicos do tumor ou estimulam o sistema imunológico a identificar e destruir células cancerígenas.
Embora ainda sejam mais restritas e indicadas em casos complexos, representam avanços importantes no tratamento do câncer de boca, oferecendo opções menos invasivas e com potencial para melhorar o prognóstico.
5. Cuidados de suporte
Os cuidados de suporte são essenciais para a reabilitação completa do paciente e incluem fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição e acompanhamento psicológico. Eles auxiliam na recuperação da fala, da mastigação e da deglutição, previnem complicações funcionais e oferecem suporte emocional, reduzindo o impacto psicológico da doença e do tratamento.
A integração desses cuidados ao plano terapêutico contribui para uma abordagem holística, que considera não apenas a eliminação do tumor, mas também a manutenção da qualidade de vida do paciente durante e após o tratamento.
Medidas de prevenção do câncer de boca
Prevenir o câncer de boca envolve adotar hábitos saudáveis e manter cuidado constante com a saúde bucal. Pequenas mudanças no dia a dia, somadas ao acompanhamento profissional regular, reduzem significativamente os riscos.
Evitar fatores de risco, proteger-se da exposição solar e investir em alimentação equilibrada são medidas essenciais. Além disso, a atenção a sinais precoces da doença aumenta as chances de diagnóstico precoce e sucesso no tratamento.
- Abandono do tabagismo: o cigarro e outros derivados do tabaco estão entre os principais fatores de risco. Interromper o uso é a medida mais eficaz para prevenção;
- Redução do consumo de álcool: o uso excessivo de bebidas alcoólicas, especialmente associado ao tabagismo, potencializa o risco de câncer bucal. A moderação é fundamental;
- Proteção contra radiação solar: o uso de protetores labiais com FPS e acessórios como bonés e chapéus ajuda a prevenir lesões provocadas pela exposição ao sol, principalmente em pessoas que trabalham ao ar livre;
- Acompanhamento odontológico: consultas periódicas ao dentista permitem identificar alterações iniciais na boca, aumentando as chances de diagnóstico precoce;
- Higiene oral adequada: manter uma rotina de escovação, uso do fio dental e cuidado com próteses dentárias mal adaptadas evita inflamações que podem favorecer o aparecimento de lesões;
- Vacinação contra HPV: o HPV está associado a diferentes tipos de câncer, inclusive os que acometem a cavidade oral. A vacinação é uma medida de proteção eficaz;
- Alimentação saudável: uma dieta equilibrada, rica em frutas, verduras e fibras, fortalece o sistema imunológico e contribui para a saúde bucal e geral.
O câncer de boca pode ser prevenido e tratado com diagnóstico precoce, hábitos saudáveis e acompanhamento odontológico regular. Para saber mais sobre exames que ajudam na avaliação da saúde do sono e podem complementar cuidados preventivos, confira nosso conteúdo sobre o que é polissonografia.
Referências
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