Oito milhões de pessoas morrem por ano por conta do tabagismo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desse número, 7 milhões são casos de uso direto do produto, enquanto 1,2 milhão são não fumantes expostos ao fumo passivo.
Muitos usuários, como tentativa de abandonar o tabagismo, apostam no cigarro eletrônico, um produto que ainda gera dúvidas sobre os malefícios e que causa dilemas: afinal, é tabaco ou medicina auxiliar no tratamento da dependência da nicotina?
Por ser um produto relativamente novo no mercado, profissionais da odontologia devem estar informados e preparados para orientar e atender pacientes usuários do cigarro eletrônico como forma de alerta.
Se você, cirurgião-dentista, ainda tem dúvidas sobre o vaper, como também é conhecido o cigarro eletrônico, continue a leitura e saiba mais.
Tabagismo no Brasil: qual o cenário?
Mesmo com avisos sobre riscos de morte e doenças graves em embalagens de cigarro e derivados e a ausência de publicidades que incitam o uso do tabaco, o tabagismo continua a ser tema de muitas políticas de saúde que visam alertar a população contra o uso do produto.
De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Câncer (Inca), esse trabalho tem trazido resultados positivos. Entre 1989 e 2019, houve queda considerável no uso da substância por maiores de 18 anos no Brasil.
Em 1989, 34,8% da população fazia uso do tabaco; em 2019, o índice caiu para 12,6%.
Ao longo dos anos, várias ações, como impostos específicos para cigarros, imagens de advertência em embalagens, leis ambientais, campanhas educativas, aumento de preço e facilidade de acesso a tratamentos para parar de fumar, auxiliaram na diminuição do número de fumantes.
Em relação ao gênero, o estudo do Inca revela que homens são maioria entre os fumantes: 15,9% deles fumam, enquanto entre as mulheres a percentagem é de 9,6%.
Além dos maiores de 18 anos, os menores também são uma preocupação. O levantamento sinaliza que, em média, a idade dos 16 anos é o momento de experimentação da droga, independentemente do sexo.
A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense, de 2015) levantou dados que mostram que 18,4% dos alunos do 9º ano já experimentaram cigarro e, novamente, os meninos são maioria: 19,4% deles já provaram, enquanto 17,4% das meninas tiveram contato.
Tabagismo passivo
O tabagismo passivo acontece quando pessoas são expostas ao fumo, sem que sejam usuárias. Infelizmente, esse grupo é prejudicado e, como já dissemos, há uma porcentagem de mortes relacionadas a essa situação.
Mas não só o cigarro comum é prejudicial aos não fumantes: os cigarros eletrônicos também geram malefícios e, de acordo com o Inca, isso faz com que seja crucial a regulação, a vigilância e o monitoramento desses produtos.
A Pesquisa Nacional de Saúde mostra que 7,9% das pessoas maiores de 18 são fumantes passivas dentro de casa, enquanto 8,4%, em locais de trabalho nos ambientes fechados.
Nesse quadro, a situação se inverte e mulheres são as que mais sofrem com o fumo passivo dentro de casa, enquanto homens são a maioria dos atingidos em locais de trabalho.
Segundo o artigo “Saúde bucal e sistêmica: o desafio do tabagismo e dos cigarros eletrônicos”, o avanço da ciência possibilitou a descoberta da relação entre câncer de pulmão e tabagismo, assim como manifestações neoplásicas orais na língua, boca, lábio e laringe, além da gengivite.
Devido aos malefícios, a OMS estabeleceu o tabagismo como problema de saúde pública.
Cigarros eletrônicos: por que eles são problemáticos?
Ainda de acordo com o artigo “Saúde bucal e sistêmica”, a versão comercial do cigarro eletrônico foi lançada em 2004 com a justificativa de ser um produto com menos riscos que o tabaco e que mantém os níveis de nicotina do usuário sem fazer uso de outras substâncias químicas presentes no cigarro.
Entretanto, diversos motivos levam a questionar se o vaper (ato de inalar aerossóis e, portanto, nome popular para o cigarro eletrônico) de fato mantém o propósito original de ser uma alternativa para tabagistas.
Esses motivos estão conectados à popularidade do vaper entre adolescentes e jovens adultos, a compra da patente pela indústria do tabaco, a adição de químicos, como flavorizantes, e o potencial maléfico isolado da nicotina.
Em 2016, o Ministério da Saúde e o Inca lançaram a cartilha “Cigarros eletrônicos: o que sabemos?”, um estudo sobre a composição do vapor e os danos à saúde causados pelo aparelho.
O documento explica que, em teoria, o cigarro eletrônico e os derivados deveriam trazer ao consumidor uma nicotina “mais limpa”, já que a ideia inicial era remover impurezas e outras substâncias químicas das folhas de tabaco.
Entretanto, a realidade está longe de ser essa, e grande parte dos eletrônicos comercializados não possui qualquer padrão de controle de qualidade.
Na composição do líquido utilizado para a vaporização, já foram encontradas pequenas quantidades de aminotadalafalia e rimonabanto, substâncias usadas para tratamento de disfunção erétil e obesidade. Além disso, os aparelhos mais modernos podem ser usados para o consumo de maconha.
Outro ponto que alerta sobre o uso é que a vaporização pode chegar a 350 ºC, temperatura suficiente para provocar reações químicas nos compostos dos e-liquids, produtos utilizados dentro do vaper.
A glicerina e o propilenoglicol, substâncias presentes nos e-liquids, quando submetidas a altíssimas temperaturas, geram outros elementos tóxicos, como acetona.
Apesar de serem 450 vezes menores que o cigarro comum, elas são consideradas citotóxicas, carcinogênicas, irritantes e potenciais causadoras de enfisema pulmonar e de dermatite.
Por sua vez, o propilenoglicol, utilizado como umectante em diferentes indústrias, quando submetido a altas temperaturas gera gases tóxicos e, consequentemente, pode causar irritações na garganta. O uso prolongado em ambientes fechados pode contribuir para o desenvolvimento de asma.
Esses são apenas alguns dos muitos outros malefícios encontrados e disponibilizados pela cartilha do ministério.
Devido a isso, em 2009, o Ministério da Saúde e a Anvisa lançaram a Resolução 46/2009, que proíbe a comercialização, a importação e a propaganda de qualquer dispositivo eletrônico para fumar, assim como acessórios e refis.
No vídeo do canal Drauzio Varella você confere um resumo sobre o problema dos cigarros eletrônicos.
Cigarro eletrônico e outros tipos de fumo
O tabaco consta de listas de classificação de drogas por conta da nicotina, que promove sensações psíquicas complexas, como estimulantes e depressoras.
O fumante também experimenta aumento da concentração e da atenção, além da redução de apetite e ansiedade.
Entre as doenças mais comuns do uso da droga, estão:
- Doenças cardiovasculares: infarto, AVC e morte súbita.
- Doenças respiratórias: enfisema, asma, bronquite crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica.
- Diferentes formas de câncer: pulmão, boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, rim, bexiga e útero.
Portanto, cirurgiões-dentistas devem ficar atentos aos malefícios de diferentes tipos de produtos derivados do tabaco. Em seguida, deixamos uma tabela de outras formas de fumo, que não são eletrônicas.
Vapers e odontologia
O estudo “Nível de conhecimento de estudantes do curso de graduação em odontologia sobre cigarros eletrônicos” entrevistou acadêmicos da área, da Universidade Federal de Santa Catarina, para testar o quanto sabiam sobre o assunto.
Os resultados demonstraram que, apesar de alguns já terem experimentado ou fazerem uso, os entrevistados não se sentiam informados o suficiente para conscientizar pacientes e terem conversas sobre vapers no consultório.
Um fato curioso é que, mesmo havendo concordância da necessidade do tema na formação do cirurgião-dentista, os alunos declararam não terem recebido muitas informações a respeito do assunto durante a graduação.
Considerando esses fatores e levando em conta os impactos dos cigarros eletrônicos para a saúde bucal e sistêmica, é essencial que cirurgiões-dentistas busquem conhecimento sobre o tema para informar melhor os pacientes sobre os riscos.
Principais manifestações bucais
Ao atender pacientes que fazem uso de cigarros eletrônicos e outros derivados, é necessário esclarecer as manifestações bucais comuns nos usuários e, também, estudá-las a fundo para preparar tratamentos mais eficazes.
O artigo “Saúde bucal e sistêmica: o desafio do tabagismo e dos cigarros eletrônicos” explica que as doenças mais encontradas são os cânceres bucais, com destaque para o carcinoma de células escamosas.
A nicotina também aumenta a prevalência de alterações teciduais e moleculares, que contribuem para o surgimento de melanose em lábios, mucosa e pele.
Também é comum encontrar estomatite nicotínica, queratose, lesões pré-malignas, como leucoplasias e eritroplasias, língua negra pilosa, doenças periodontais e perimplantite.
Também é necessário alertar sobre o tabaco não fumado, como o fumo de mascar. As doenças que podem acometer o usuário são:
- Doença periodontal
- Recessão gengival
- Perda de osso alveolar
- Manchamento de próteses e dentes
- Abrasão dentária
- Displasias epiteliais
- Leucoplasias
- Mais riscos de cáries
Como orientar pacientes?
Livrar-se da dependência da nicotina não é fácil. Em geral, essas pessoas precisam de bastante ajuda e compreensão para deixarem o vício.
Cirurgiões-dentistas podem abrir espaço para diálogos com pacientes fumantes e explicar os malefícios do fumo, assim como as doenças que podem surgir em decorrência.
Outro ponto que vale ser citado é a diminuição da mortalidade, consequência das doenças causadas pelo fumo. Parar de fazer uso do cigarro eletrônico ou qualquer outro é essencial para driblar esse cenário.
Antes de aconselhar, é importante estudar o caso do paciente e identificar se ele já apresenta algum tipo de doença causada pelo cigarro. Se sim, é fundamental alertá-lo e sugerir que pare.
Indicar terapias e ajuda médica também é um dos caminhos, até porque muitas pessoas não sabem que podem contar com esse tipo de tratamento.
É importante que o cirurgião-dentista busque conhecer quais alternativas de tratamento existem na cidade para indicar o paciente a buscar ajuda.
A OMS indica que todos os profissionais de saúde sejam preparados para conversar sobre tabaco com os pacientes. Para isso, pode-se seguir dois modelos de abordagem: a 5As e a PAAPA.
Abordagem 5As
A abordagem consiste nos seguintes passos:
1. Perguntar sobre o uso de tabaco
2. Avaliar a motivação para largar de fumar
3. Aconselhar a parar
4. Preparar a parar de fumar com a ajuda de planejamento
5. Acompanhar quem tenta parar de fumar e avaliar a necessidade de pedir por ajuda extra
Abordagem PAAPA
Já a abordagem PAAPA é mais extensa e consiste nas etapas:
1. Perguntar sobre o uso de tabaco em todas as visitas
2. Aconselhar o paciente a não fumar e explicar o porquê
3. Avaliar o quanto a pessoa quer deixar de fumar e em qual período
4. Preparar o paciente para uma estratégia, que consiste em encaminhá-lo para grupos de apoio ou outras terapias
5. Acompanhar em cada visita e ver como está o progresso
Na hora de fazer a anamnese, lembre-se de tentar explorar mais a pergunta sobre fumar, visto que muitos usuários de vaper não se consideram fumantes, e sim vapers. Fazer a pergunta de forma abrangente é necessário.
Buscar conhecimento aprofundado sobre cigarro eletrônico e outras formas de fumo é crucial para atender melhor pacientes e orientá-los a ter mais qualidade de vida.
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