O câncer é o principal problema de saúde pública no mundo e uma das maiores causas de morte. Estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam o surgimento de 704 mil novos casos da doença no Brasil para o triênio 2023-2025 — média de 234 mil diagnósticos por ano.
A doença, além de desafiar médicos e enfermeiros, instiga dentistas, que devem estar preparados para o atendimento com base no protocolo odontológico para pacientes oncológicos.
É fundamental trabalhar de forma multidisciplinar para diminuir os efeitos colaterais dos procedimentos. Para isso, o cirurgião-dentista deve compreender as características dos tratamentos oncológicos, quais as principais doenças bucais que surgem como consequência dos diferentes tipos de terapia e como atuar em cada fase do atendimento de forma humanizada e alinhada às necessidades do paciente.
Continue a leitura e entenda mais como atuar com pacientes oncológicos na odontologia. Boa leitura!
Protocolo odontológico para pacientes oncológicos
Ao receber um paciente oncológico no consultório, o primeiro passo é preencher a anamnese, documento fundamental para que cirurgiões-dentistas planejem e estudem tratamentos seguros e possam fazer diagnósticos mais precisos. É nesse momento que você vai receber todo o contexto da doença e entender em qual etapa o paciente está.
Se com os pacientes saudáveis a anamnese já deve ser feita cuidadosamente, nos casos de câncer, o cuidado deve ser redobrado, considerando o estado emocional, físico e psicológico, além das especificidades da doença da pessoa que será atendida.
Em seguida, é preciso pensar no protocolo de atendimento, que pode ser dividido em três etapas, que são a fase prévia ao tratamento oncológico, a durante e a posterior.
Tratamento prévio
O tratamento odontológico, idealmente, deve anteceder o oncológico. De acordo com informações publicadas em artigo na revista Health Sci Inst., os procedimentos prévios devem ser constituídos por alguns procedimentos, entre eles:
- Exame clínico.
- Avaliação radiográfica.
- Tratamento endodôntico.
- Selamento de lesões de cáries.
- Tratamento periodontal.
- Correção de próteses.
- Troca de restaurações infiltradas.
O artigo “Protocolo de atendimento odontológico a pacientes oncológicos pediátricos” explica que o tratamento antineoplásico acompanhado de complicações bucais pode gerar dor e desconforto extremos, assim como nutrição deficiente, limitações de dosagens de antineoplásicos e aumento da hospitalização. Em alguns quadros, pode ocorrer septicemia, que gera riscos à vida do paciente.
Sendo assim, o profissional de odontologia deve atuar na equipe oncológica com o objetivo de prevenir complicações bucais e controlar os efeitos colaterais da radioterapia e quimioterapia. O acompanhamento deve ser feito também na fase aguda, imunossupressão, internação hospitalar e nas etapas de remissão e doença assintomática.
O planejamento do tratamento odontológico do paciente oncológico também é responsabilidade do dentista, portanto, é importante dar foco aos treinamentos de higiene bucal, especialmente quando falamos de crianças, que são dependentes dos pais e possuem menos autonomia e coordenação.
A higiene bucal deve fazer parte dos cuidados com pacientes oncológicos como meio de prevenção a cáries e doenças periodontais.
Durante as terapias oncológicas
O profissional de odontologia deve acompanhar o paciente em todas as etapas, até em internações. Uma das principais dúvidas que surgem durante o tratamento é se o câncer enfraquece os dentes.
As terapias podem produzir efeitos colaterais que acarretam em diversas complicações, como hemorragias, infecções, cáries e certas doenças. Por isso, a prevenção e os tratamentos são fundamentais para manter a saúde bucal em dia.
Nesse sentido, a presença do dentista é essencial para conversar e tirar dúvidas sobre a higiene bucal, prescrever bochechos conforme a necessidade dos pacientes e atuar com os tratamentos corretos, que explicaremos mais adiante.
Tratamento posterior
É comum que pacientes oncológicos tenham a saúde bucal prejudicada após passar por tratamentos agressivos. Portanto, é essencial que ele não abandone o acompanhamento com o cirurgião-dentista e continue com os cuidados.
Periodicamente, devem ser feitas avaliações para eliminar a placa bacteriana. Também podem ser feitas raspagem supra gengival e restaurações definitivas,, assim como bochechos e procedimentos com laser de baixa potência.
Para planejar o protocolo odontológico para pacientes oncológicos, é importante que o cirurgião-dentista tenha conhecimentos de como a radioterapia e a quimioterapia podem influenciar a saúde bucal.
Efeitos colaterais da radioterapia e quimioterapia
Como já citamos, o preenchimento da anamnese deve ser feito cuidadosamente com pacientes oncológicos. Por isso, cabe ao cirurgião-dentista compreender também a ligação entre quimioterapia, radioterapia e odontologia.
Comece por entender se o paciente já passou ou ainda está passando por uma dessas terapias e se, além delas, foi feita uma cirurgia.
Conhecer esse histórico é essencial e esclarecedor para que o cirurgião-dentista possa compreender a gravidade do câncer, planejar um tratamento que considere todos os cuidados oncológicos e diagnosticar com mais precisão.
Vamos compreender melhor como cada terapia interfere na saúde bucal do seu paciente? Confira abaixo!
Quimioterapia
Entre as terapias, uma das mais comuns é a quimioterapia. Em resumo, esse procedimento pode ser feito por meio de quimioterápicos que atuam como destruidores das células cancerígenas. Mas há também aqueles que agem de forma hormonal (comum no câncer de mama) ou que potencializam a radioterapia.
A quimioterapia, além de atingir as células cancerígenas, danifica as normais e, consequentemente, interfere naquelas que ficam situadas na boca. Portanto, esse tratamento pode ter efeitos colaterais na mucosa, nas glândulas salivares, no tecido mole e na gengiva.
Segundo o artigo “Manifestações bucais em pacientes submetidos à quimioterapia”, alguns quadros surgem em decorrência da terapia e podem levar a complicações sistêmicas graves e, inclusive, aumentar o tempo de internação hospitalar.
Dica: ao fazer a anamnese, consulte quais quimioterápicos são utilizados na terapia do paciente. Caso ele não saiba os nomes de todos — o que é bem comum —, entre em contato com o oncologista responsável pelo caso.
Radioterapia
A radioterapia também é uma das terapias mais comuns, entretanto, pacientes oncológicos que passam ou passaram por esse procedimento merecem atenção especial.
De acordo com o artigo “Efeitos da radioterapia sobre as condições bucais de pacientes odontológicos”, o procedimento, apesar de proporcionar resultados significativos, pode afetar a qualidade de vida do paciente. Isso dependerá de alguns fatores, como a dose ou a frequência das sessões, o local irradiado, os tratamentos associados, a idade e as condições clínicas do paciente.
Como efeitos colaterais da radioterapia, temos a mucosite, xerostomia e outras manifestações.
Complicações bucais durante e após o tratamento
Considerando que o cirurgião-dentista deve acompanhar todas as etapas pelas quais o paciente oncológico passa, é imprescindível que ele conheça quais as complicações orais mais comuns. Assim, o profissional pode criar um planejamento de atendimento mais completo.
Complicações bucais durante o tratamento
As manifestações e complicações começam a acontecer durante o tratamento e, dessa forma, é imprescindível que o cirurgião-dentista faça os procedimentos corretamente. Em seguida, listamos alguns dos quadros mais comuns no período das terapias.
Hemorragia
De acordo com o “Protocolo de atendimento odontológico a pacientes oncológicos pediátricos”, a hemorragia é um dos casos mais previsíveis. Portanto, antes de realizar cirurgias, o dentista deve ter em mãos exames com a contagem de plaquetas.
Caso o número seja menor ou igual a 75.000 plaquetas/mm³, as intervenções devem ser evitadas. Em situações em que é exigida a cirurgia, o profissional deve alinhar a situação com a equipe médica para a administração de uma transfusão de concentrado de plaquetas.
Mucosite
Segundo o artigo “Leucemia no paciente pediátrico: atuação odontológica”, a mucosite se define como “uma alteração na textura e coloração da mucosa, devido à atrofia do epitélio, que pode apresentar-se com sintoma de dor leve a grave, dependendo do grau de perda tecidual e agressão por patógenos”.
Entre as complicações orais, ela é uma das mais dolorosas, além de comum. A mucosite, de acordo com o estudo “Utilização da terapia com laser de baixa potência para prevenção de mucosite oral”, surge em decorrência da quimioterapia de grande dosagem em pacientes que passam pelo transplante de medula óssea e pela exposição à radioterapia na região da cabeça e do pescoço.
Para classificar os níveis da complicação oral, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma escala que vai de 0 a 4, em que zero significa que a mucosite não acontece, e quatro corresponde aos casos severos, com lesões intensas e a necessidade de entrar com a alimentação enteral ou parenteral, e suspensão do tratamento até que o paciente possa se recuperar.
Para o tratamento da mucosite oral, a literatura traz algumas recomendações:
- Grau 1: recomendam-se bochechos com hidróxido de alumínio 10%, suspensão oral, sabor não ácido, cinco vezes ao dia ao longo de sete dias.
- Grau 2, 3 ou 4: o mesmo tratamento prescrito no primeiro grau, porém com o acréscimo de bochechos com dexametasona (5 ml) no período de 8 em 8 horas, durante sete dias e com alternância com os bochechos com eritromicina de 8 em 8 horas, por sete dias.
Para prevenir essa complicação, o protocolo sugere que, um dia após o término da quimioterapia, sejam feitos bochechos com hidróxido de alumínio 10% cinco vezes ao dia durante sete dias. A laserterapia também é um dos procedimentos que tem trazido resultados satisfatórios.
Infecções
Infecção preexistente na cavidade bucal é um dos motivos pelos quais o paciente deve passar por uma avaliação odontológica o quanto antes após o diagnóstico. Em geral, ela pode ser de origem endodôntica ou periodontal, e como consequência, vir a desenvolver uma infecção local ou sistemática.
Infecções podem ser de variados tipos e, portanto, são tratadas de formas diferentes, como podemos verificar:
- Infecções bacterianas: são administrados antibióticos que atuam na microbiota local ou que estejam alinhados ao resultado da hemocultura.
- Infecções herpéticas: muito comuns em pacientes com neoplasia maligna, elas podem se desenvolver em qualquer área da mucosa bucal. Pode ser tratada de forma sistêmica com aciclovir (30 mg/kg/dia dividida em três tomadas) aliada ou apenas com tratamento a laser de baixa potência.
- Candidíase: pode causar infecção sistêmica em pacientes neutropênicos e utilizar como porta de entrada as lesões ulcerativas da mucosa. Recomenda-se a suspensão oral de nistatina.
Complicações bucais de ocorrência tardia
Após os tratamentos oncológicos, o paciente ainda deve ser acompanhado pelo cirurgião-dentista para cuidar de complicações bucais posteriores, como cárie de radiação, xerostomia e outras alterações.
Cárie de radiação
A cárie de radiação surge entre o segundo mês até o primeiro ano após o início do tratamento radioterápico. Ela é do tipo rampante, ou seja, destrói a coroa e expõe a raiz do dente e, como consequência, pode danificar toda a dentição do paciente em apenas alguns meses.
Para o tratamento, é indicada a restauração com ionômero de vidro e bochechos diários de fluoreto de sódio não acidulado a 0,5% durante um minuto.
Osteoradionecrosis
Este é mais um dos efeitos colaterais da radioterapia e, em casos de pacientes com dentes em mau estado, trauma ósseo, doença periodontal e presença de quimioterapia combinada, as chances de necrose óssea aumentam.
Geralmente, a mandíbula é o osso mais afetado em razão da alteração dos vasos sanguíneos, Como consequência, torna-se menos irrigada e mais suscetível à infecção.
O “Protocolo de atendimento odontológico a pacientes oncológicos pediátricos” sugere que o tratamento seja feito com antibióticos, oxigênio hiperbárico com antibioticoterapia e debridamento local.
Xerostomia
A xerostomia é uma das complicações bucais mais comuns em pacientes oncológicos, especialmente entre os que passaram por radioterapia. Quando essa terapia é sobre as glândulas salivares, a produção de saliva fica afetada e, claro, gera algumas consequências negativas.
Entre elas, podemos citar a mucosa sem proteção, a dificuldade de deglutir o bolo alimentar, o aumento de níveis de desmineralização, a sensação de queimação na boca, a halitose e as alterações na sensibilidade gustativa.
Para tratar as manifestações de xerostomia, o paciente oncológico recebe medidas paliativas, como prevenção de cáries, administração de flúor, uso de sialogogos e aumento na ingestão de água.
Câncer de mama e odontologia
Os dentistas que tratam pacientes com câncer de mama devem estar cientes das possíveis implicações na saúde bucal e da importância de fornecer cuidados odontológicos prévios e durante os tratamentos de quimio e radioterapia, uma vez que podem apresentar efeitos colaterais.
No artigo “Tratamento odontológico em pacientes oncológicos”, publicado pela revista Oral Sciences, foi feito um estudo sobre as doenças bucais relacionadas ao câncer e aos tratamentos. Entre os pacientes da pesquisa, 76,47% tinham câncer de mama e, em mais da metade delas, a sequela que mais apareceu foi a xerostomia.
De acordo com o estudo, a prevalência pode estar relacionada com o tipo de tratamento quimioterápico. Uma das possíveis causas levantadas é a hipossalivação das pacientes. Isso também foi visualizado na pesquisa “Adjuvant chemotherapy in breast cancer patients induces temporary salivary gland hypofuncion”, veiculada na revista internacional Oral Oncol.
Especialização em odontologia oncológica
A especialização em odontologia oncológica é uma área que concentra o cuidado bucal de pacientes com câncer. A pós-graduação visa fornecer cuidados abrangentes a esses indivíduos, prevenindo efeitos adversos na saúde bucal.
Ao receber atendimento do profissional especialista, os pacientes podem minimizar a ocorrência dessas complicações e manter uma saúde bucal ideal antes e durante as terapias antineoplásicas.
Para ser um dentista oncologista, é necessário concluir um curso continuado de odontologia para pacientes oncológicos. O programa fornece conhecimentos e habilidades para lidar com as necessidades únicas desse grupo. Recomenda-se fazer o curso em instituições ou organizações reconhecidas.
Compreender as manifestações de complicações orais, como elas acontecem e como tratá-las é essencial para oferecer cuidados oncológicos aos pacientes que necessitarem e garantir mais conforto durante os tratamentos com antineoplásicos.
Além disso, agir de forma humanizada, respeitando os sentimentos e as condições do paciente oncológico, é imprescindível para uma relação harmoniosa e acolhedora, afinal, o dentista também pode contribuir para o bem-estar mental e emocional dele.
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MUITO BOA A MATÉRIA.
TENHO O APARELHO LASER COM ILIB DA DMC,E GOSTARIA MUITO DE AUXILIAR EM PACIETES ONCOLÓGICOS,MAS PRECISO DE MAIS TREINAMENTO.
Olá, Márcia! Como vai?
Ficamos felizes que tenha gostado da matéria!
Sem dúvidas, buscar conhecimento para lidar com as especificidades dos pacientes oncológicos é muito importante.
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