Estamos no século 21, mas não há dúvidas de que, mesmo em uma era de tanta informação, o preconceito e a falta de compreensão sobre alguns assuntos, muitas vezes, ainda prevalece. Um deles é o tratamento odontológico em pacientes com HIV positivo que, apesar de ser totalmente possível, ainda é um incômodo para muitos cirurgiões-dentistas
Neste post, abordamos a relação entre HIV e odontologia, por meio da explicação do que é o vírus, formas de transmissão, qual é o tratamento e como é o atendimento de pacientes imunodeprimidos. Boa leitura!
O que é HIV e aids?
O HIV é a sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana. Isso significa que é ele quem causa aids, uma sigla, também em inglês cujo significado traduzido é Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
O vírus ataca o sistema imunológico, especialmente os linfócitos T CD4+ e, se não tratado, destrói essas células, impedindo que o organismo lute contra infecções.
O sistema imunológico fica enfraquecido e, portanto, vulnerável a qualquer doença oportunista, como tuberculose, toxoplasmose e, até mesmo, tipos de câncer. Quando esse ciclo acontece, a aids se desenvolve.
E quem tem HIV tem aids? Não necessariamente. Uma pessoa pode, sim, ser soropositiva (ou seja, ter o vírus) e não ter a doença. Afinal, para chegar até a patologia leva tempo e, atualmente, o tratamento começa assim que o paciente é diagnosticado. Dessa forma, há diversos indivíduos que vivem muito bem e de forma controlada.
Como o HIV é transmitido?
O HIV é altamente transmissível. Pessoas com o vírus podem transmiti-lo de várias formas, segundo o Ministério da Saúde.
- Sexo vaginal sem preservativo
- Sexo anal sem preservativo
- Sexo oral sem preservativo
- Compartilhar seringa
- Transfusão de sangue contaminado
- Da mãe infectada para o bebê na gravidez, no parto e na amamentação
- Instrumentos que cortam ou furam (como bisturis e agulhas) sem esterilização
Há muitas dúvidas e mitos sobre a transmissão do HIV. Reunimos situações em que o vírus não é disseminado:
- Sexo com camisinha
- Masturbação a dois
- Beijo (no rosto ou na boca)
- Suor e lágrima
- Picada de inseto
- Aperto de mão ou abraço
- Compartilhar sabonete, toalha e lençol, assim como copos e talheres
- Assento de ônibus
- Piscina
- Banheiro
- Doação de sangue
- Pelo ar
Outras ocasiões que não ocorre a transmissão
Talvez, muitas pessoas não saibam dessa informação, mas quem faz tratamento com antirretrovirais e tem a carga do HIV indetectável em exames no período mínimo de seis meses não transmite o vírus em relações sexuais. Portanto, cientistas aprovam o conceito indetectável = intransmissível.
Breve história do HIV
De acordo com a linha do tempo da Fiocruz, essa história começa entre 1977 e 1978, quando há registro dos primeiros casos de HIV nos Estados Unidos, no Haiti e na África Central — só em 1982 eles foram diagnosticados. No Brasil, a primeira pessoa a ser infectada pela doença foi em 1980.
Em 1982, com a confirmação oficial dos primeiros casos no Brasil, o HIV passou a ser visto pejorativamente como a doença dos 5H: homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína) e hookers (profissionais do sexo). Inclusive, a patologia chegou a ser conhecida como “peste gay”.
No ano de 1983, ocorreram registros que vieram para mostrar que o vírus não era característico do grupo citado, afinal, foi notificado o primeiro caso em uma criança e em uma mulher, além da transmissão entre heterossexuais e a infecção de profissionais da saúde.
O primeiro medicamento a ser administrado para o tratamento de aids, o AZT, começou a ser aplicado em 1987.
No início da década de 1990 os casos não paravam de crescer e, no mesmo ano em que faleceu o cantor Cazuza (1990), foram registrados mais de 6 mil diagnósticos no Brasil. Em 1991, o mundo já tinha 10 milhões de pessoas infectadas.
Em relação à primeira terapia antirretroviral no Brasil, cientistas chegaram em consenso em 1996, com o tríplice esquema. A distribuição foi e continua gratuita. Graças ao coquetel, em 1999, o governo anunciou a redução de 50% das mortes.
Muitas coisas aconteceram desde então, e, atualmente, o Brasil conta com 694 mil pessoas em tratamento de HIV — isso equivale a 81% dos diagnosticados com o vírus. Outro dado positivo é que 95% de quem está sendo acompanhado atingiu a carga viral inativa, de acordo com o Ministério da Saúde.
Como é o diagnóstico do HIV?
Pessoas expostas a situações de risco devem fazer o teste. Trata-se de um exame de sangue feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), portanto gratuito. Existe também o teste rápido, disponível em Centros de Testagem e Aconselhamento em várias cidades cujo resultado sai em meia hora.
Segundo o Ministério da Saúde, a infecção por HIV pode ser detectada em ao menos 30 dias a partir da exposição ao risco de contaminação. Antes disso, o resultado pode dar falso negativo.
Quais os sintomas do HIV?
Embora alguns pacientes não apresentem qualquer sintoma, outros relatam sinais em comum da infecção pelo vírus. Os primeiros alertas são muito semelhantes aos de uma gripe e por isso grande parte dos casos passa despercebida.
Entre os sintomas, estão: febre, aumento dos gânglios linfáticos, garganta inflamada e erupções cutâneas.
Com o passar do tempo e com a frequente destruição das células, o corpo fica mais frágil e suscetível a doenças. Na fase mais avançada da infecção, caso não haja tratamento contínuo, o paciente contrai a aids, ficando exposto a pneumonia, hepatites virais, tuberculose e câncer, podendo levar à morte.
Fases da aids
Como podemos perceber acima, a aids passa por algumas fases, mais precisamente quatro, como explica o artigo “Aids: etiologia, clínica, diagnóstico e tratamento”. Vamos conhecê-las.
1. Infecção aguda
Também conhecida como síndrome da infecção retroviral aguda ou infecção primária, é o momento que acomete de 50% a 90% dos pacientes. Os primeiros sintomas podem aparecer de 5 a 30 dias após a exposição.
Como explicamos, de início, alguns sintomas são muito semelhantes a uma gripe ou infecção viral, com febre, mialgia, entre outros. Mas também podem aparecer sinais de ulcerações mucocutâneas (o que envolve a mucosa oral, esôfago e genitália), cefaleia, fotofobia, perda de peso, náuseas, vômitos. Também pode haver candidíase oral, neuropatia periférica, entre outros.
2. Fase assintomática
Como o nome explica, aqui, os sintomas são mínimos ou até mesmo inexistentes. Pacientes que já realizam terapia retroviral podem ficar nessa etapa por décadas, sem ter complicações.
3. Fase sintomática inicial
Nesse momento, o paciente começa a sofrer com diversas manifestações. Uma delas, bastante comum, é a sudorese noturna, que pode ser acompanhada de febre.
Há também a presença de fadiga, emagrecimento, diarreia, sinusopatias, candidíase oral e vaginal, leucoplasia pilosa oral, gengivite, úlceras aftosas, herpes simples, herpes Zoster e trombocitopenia.
4. Aids
A última fase, portanto, é a presença da doença no paciente. Nesse momento, o sistema imunológico já está gravemente afetado e habilitado a adquirir qualquer doença oportunista.
Como é o tratamento para o HIV?
O tratamento contra o HIV é gratuito e feito com os medicamentos antirretrovirais, que evitam que o sistema imunológico enfraqueça. Pacientes diagnosticados precisam fazer uso contínuo dos remédios. Só eles vão aumentar a qualidade de vida e a longevidade, além de diminuir as internações por complicações e doenças oportunistas.
Tratamento odontológico em pacientes HIV positivo
Agora que as informações básicas já estão esclarecidas, chegamos ao momento de afunilar alguns assuntos dentro da odontologia e que ainda geram muitas dúvidas entre os profissionais.
Manifestações bucais em pacientes com HIV
No tópico em que abordamos as fases da aids, podemos ver que nas etapas da infecção do HIV até a doença é comum encontrarmos algumas manifestações bucais características. Podem ser verificadas infecções fúngicas, bacterianas, virais e lesões neoplásicas.
Infecções fúngicas
Começamos por citar a candidíase, que é uma das infecções mais comuns em pacientes com HIV ou aids. Ela tem relação direta com a baixa imunidade, e o tipo mais presente é a pseudomembranosa, caracterizada por pseudomembranas esbranquiçadas ou amareladas.
Atenção: em pacientes assintomáticos, esse pode ser um dos primeiros sinais da infecção, sobretudo da transição para aids.
Pacientes que estão bastante debilitados, em geral, têm queilite angular. Essa manifestação é caracterizada por uma dobra na comissura labial e pelo local sempre úmido. Aliás, esse é um cenário superpropício para a candidíase.
Infecções bacterianas
Entre as infecções bacterianas mais comuns estão gengivite, periodontite e gengivite ulcerativa necrosante, que ocorrem devido a alteração da microbiota.
Infecções virais
O herpes é o vírus mais comum entre as pessoas: a Sociedade Brasileira de Dermatologia estima que 90% dos adultos são infectados. Em um sistema imunológico competente, isso não é um problema, entretanto, entre os pacientes com HIV, a manifestação é muito mais ocorrente.
A leucoplasia pilosa oral (LPO), infecção oportunista causada pelo vírus Epstein-Barr também acontece com frequência em pessoas com HIV.
A LPO é caracterizada por uma placa branca na língua, não removível e, em grande parte das vezes, é assintomática.
Lesões neoplásicas
Em relação à neoplasia, os pacientes de HIV podem ter o Sarcoma de Kaposi, que é um tumor vascular que pode acometer diversas partes do corpo, incluindo a cavidade oral — lesões duras do palato são as mais comuns.
Há casos em que o Sarcoma de Kaposi é assintomático, e há outros em que interfere na fala, ao comer, compromete as vias orais e, até mesmo, causar perdas dentais.
Como é o atendimento odontológico do paciente com HIV?
O paciente com HIV deve comunicar sua condição ao dentista, uma vez que os imunodeprimidos recebem cuidados especiais durante o tratamento odontológico.
O segundo passo é o dentista fazer uma anamnese detalhada, indicando alterações provocadas pelo HIV. Também é aconselhável pedir a lista de medicamentos em uso, assim como o nome e o contato do médico que acompanha o paciente. Em alguns casos, pode ser necessário discutir o tratamento odontológico.
O HIV pode causar alterações na cavidade oral, como candidíase, leucoplasia pilosa, doença periodontal, lesões por HPV e ulcerações. O dentista deve conhecer essas manifestações para indicar o melhor tratamento.
Além da anamnese, o profissional pode solicitar hemograma completo, contagem diferencial CD4 e CD8 e carga viral.
Pacientes que estejam com o sistema imunológico muito comprometido devem adiar o tratamento odontológico até atingir certa melhora na saúde. Só devem ser submetidos a procedimentos aqueles que tiverem condições de tolerar as intervenções.
Já os pacientes que estão com carga viral indetectável podem realizar diversos tipos de tratamentos, incluindo cirurgias e implantes.
É possível contrair HIV no consultório odontológico?
Os riscos são baixos até porque o consultório odontológico é um local com segurança controlada. A limpeza do clínica, dos equipamentos e dos instrumentais utilizados pelo dentista passa por processos rigorosos para prevenção de doenças e de agentes infecciosos. A prevenção também conta com o uso de luvas, máscaras, aventais ou jalecos e óculos.
Materiais que não podem ser esterilizados na autoclave precisam ser descartados em lixos especiais. A esterilização em autoclave é mais segura do que a feita em estufa, que está sujeita a erros.
Terminada a consulta, luvas, máscaras, pontas de sugador, seringas e todos os materiais descartáveis são jogados no lixo.
Preconceito dentro do consultório odontológico
Retomando o que pontuamos no início deste post, estamos no século 21 e ainda há casos — inclusive pesquisas — que indicam que o paciente com aids ou HIV tem dificuldade de encontrar atendimento odontológico. Dentro do consultório, há profissionais que usam de diversas técnicas só para não acolher essa pessoa.
E isso pode fazer com que pacientes se afastem da oportunidade de ter um tratamento que ofereça mais qualidade de vida ou, nos piores casos, omita o quadro de saúde por medo de, novamente, passar por rejeição — o que é muito perigoso, pois se o organismo da pessoa não estiver bem, um tratamento mais invasivo pode gerar emergências.
A melhor forma de evitar essas situações é:
1) conhecer a fundo o HIV para sair do âmbito da desinformação;
2) compreender que, enquanto profissional da área da saúde, é um dever ético atender qualquer paciente, sem descriminação;
3) acolhimento é a palavra que muda vidas — um comportamento humanizado aproxima, ao invés de afastar.
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Tenho um pouco de medo tirar os dentes
Olá, Sara. Procure um dentista de confiança na sua cidade. Peça indicação a amigos e familiares.
Trabalhava num consultório odontológico, e atendemos uma paciente com o vírus, para colocação de implante, e 6 meses depois ela voltou para a remoção dos mesmos, acabou que na correria eu acabei esquecendo de colocar a luva para lavar os instrumentais, e eu estava com um corte na mão que não estava totalmente cicatrizado… Corro o risco de ter contraído o vírus?
Oi Carla,
o ideal é que você procure por um médico que trabalhe nessa área, pois ele poderá responder melhor sua questão. Não se esqueça de fazer exames de sangue para verificar a situação.
Praticamente essa chance é nula. Primeiro porque o vírus hiv diferente ao da hepatite é muito frágil ao ambiente externo. Morre em milésimos de frações de segundos. Por mais que tenha gotículas de sangue nos instrumentos em que vc os assepciou posteriormente, o vírus já estava morto qdo vc foi lavar os instrumentos. Segundo ponto : se a cliente fazia uso dos antirretrovirais e estando indetectavel ela não transmite mais o hiv, pois o vírus deixa de circular na corrente sanguínea. Fique tranquila.
Olá, Bruno, muito obrigado pela contribuição.
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Boa tarde
Fui ao dentista e fiz limpeza e clareamento no outro dia beijei uma pessoa numa boate. Caso a pessoa tenha HIV, posso ter pegado?
Oi Marcelo, tudo bom?
O risco de isso acontecer é quase nulo, pois a pessoa que você beijou precisaria estar com um sangramento grande na boca para que o vírus fosse transmitido. Por precaução e para que você fique mais tranquilo, o melhor a se fazer e ir a um médico e fazer os exames.
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Sou soro positivo indetectável há dois anos.. uso medicamento Antirretrovirais.. não transmito o vírus.. só que fui no dentista fazer um canal .. estou na segunda etapa do canal ainda .. não tive coragem de falar para dentista que sou soro positivo indetectável.. e nem falei da medicação que tomo .. tratamento segue normal graças a Deus ! Ainda tenho medo do preconceito .. até porque tenho saúde e vida normal.. nesse caso eu deveria dizer? Consultório todo esterilizado ..sem risco para mim e pra outros pacientes!
Olá, Emilly, mesmo sendo indetectável, é importante o paciente com HIV deve comunicar sua condição ao dentista, uma vez que imunodeprimidos recebem cuidados especiais no tratamento. Assim, o dentista poderá realizar os procedimentos adequados, até solicitar lista de medicamentos em uso, contato do médico acompanha você, e, alguns casos, discutir o tratamento odontológico.
Indicamos que avalie a questão com seu responsável médico, de acordo com o seu quadro.
BOA NOITE GOSTEI MUITO DA MATÉRIA HIV E ODONTOLOGIA! TENHO DUVIDAS SOBTE DOENCAS NAB GENGIVA!
Olá, Marcio! Como vai?
Ficamos felizes que tenha gostado desse conteúdo. Em nosso blog temos diversos conteúdos sobre doenças gengivais.
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