Emergências médicas em odontologia: como administrar?

Todo o cirurgião-dentista está apto a presenciar emergências médicas na odontologia em seu consultório: um fármaco que gerou uma reação alérgica ou uma condição de risco que pode fazer com que o paciente tenha convulsões, alergias ou até mesmo parada cardíaca.

O despreparo por parte do profissional e a falta de estrutura para socorrer podem tornar a situação ainda mais complexa, tanto para a saúde da pessoa atendida quanto em questões éticas e legislativas.

De acordo com o artigo Situações de emergências médicas em consultório odontológico, “emergência médica é definida como uma situação ou condição com alta probabilidade de desencadear risco de morte. É causada, na maioria das vezes, por ansiedade, doenças e/ou complicações durante os atendimentos. Em casos emergenciais, existe a necessidade de primeiros cuidados e/ou intervenções imediatas”.

Portanto, é necessário que o cirurgião-dentista tenha conhecimentos em socorrer e compreenda mais a fundo o que são e quais podem ser as emergências médicas em odontologia.

Quais são as emergências médicas em odontologia mais comuns?

Alguns sintomas podem ajudar o cirurgião-dentista a identificar rapidamente se ele está perante uma emergência médica. Portanto, é importante sempre estar atento ao seu paciente durante a consulta para identificar sinais de que algo errado está acontecendo. Para explicar melhor essa situação, separamos os dois sintomas mais comuns em situações de complicações e quais as causas relacionadas.

Alterações ou perda de consciência

Se o primeiro sintoma do seu paciente for tontura ou perda de consciência, essa situação pode estar relacionada a emergências médicas, como lipotímia e síncope, hipoglicemia aguda, hipotensão ortostática, acidente vascular encefálico (AVE) e insuficiência adrenal aguda.

Síncope e lipotímia (complicações mais frequentes)

Síncope ou desmaio vem com a perda súbita ou transitória de consciência por isquemia cerebral transitória generalizada. É comum que o paciente fique pálido, sonolento e com taquicardia.

Esse sintoma é mais comum em jovens adultos do sexo masculino e dificilmente ocorre em crianças. Nos idosos, a síncope mais comum é a do seio carotídeo e é associada a insuficiência vértebro-basilar.

Em situações como essa, o cirurgião-dentista deve colocar o paciente em posição supina e elevar os membros inferiores. A cabeça deve ficar estendida para trás, de forma que o ar possa passar melhor. É necessário aferir sinais vitais até o retorno da consciência. Se necessário, administrar oxigênio 12/15L/min e ligar para o SAMU (192).

A lipotímia acontece quando chega pouco sangue ao cérebro e ocorre o desfalecimento sem a perda da consciência. O paciente pode apresentar tontura, enjoo, mal-estar gástrico, palidez, suores frios e escurecimento da visão.

Assim como na síncope, a pessoa deve ser deitada em posição supina ou levar a cabeça às pernas (ainda sentado) para que o fluxo do sangue ao cérebro volte ao normal. Caso for necessário, pode recorrer ao uso do oxigênio 12/15L/min, acompanhar sinais vitais e acionar o SAMU.

Para prevenir ambas as situações, o cirurgião-dentista pode avaliar qual o grau de ansiedade do paciente; evitar que a pessoa tenha alguns estímulos visuais, como sangue, seringa e outros instrumentos; não utilizar expressões que possam causar medo e pânico; orientar que a pessoa não compareça à consulta em jejum; e, quando possível, posicionar a cadeira em posição supina ou semissupina.

O cuidado com a administração da anestesia também deve ser considerado! Portanto, dê preferência para técnicas menos traumáticas, mas que tenham duração e eficácia adequadas para um procedimento tranquilo e sem dor para o paciente.

Em caso de síncope ou lipotímia, retire da boca do paciente os materiais e deite a cadeira em posição supina.

Mulher branca dentista realizando procedimento odontológico
Em caso de síncope ou lipotímia, retire da boca do paciente os materiais e deite a cadeira em posição supina.

Hipoglicemia aguda

Os sintomas de uma hipoglicemia aguda acontecem de forma mais rápida e podem ser fome repentina, suor, confusão mental, palpitações, ansiedade e podem evoluir para convulsão ou perda da consciência.

Se o paciente estiver consciente, ofereça uma fonte de carboidrato que seja de rápida absorção (mel, refrigerante, doces). Caso a pessoa se encontre inconsciente, administre solução aquosa de glicose a 50%, via endovenosa, por dois a três minutos.

Hipotensão ortostática

A hipotensão ortostática pode ocorrer quando o paciente levanta rapidamente da cadeira e sente vertigens ou, até mesmo, acaba por desmaiar. Nesse caso, deite-o novamente até que os sintomas passem.

Acidente Vascular Cerebral (AVC)

O AVC pode começar com sintomas de paralisia da face, dificuldade na fala, tonturas ou desmaio, confusão súbita e dificuldades em enxergar de um dos olhos ou ambos. Caso identifique essa situação, o ideal é acionar o SAMU rapidamente e monitorar os sinais vitais.

Insuficiência adrenal aguda

A insuficiência adrenal aguda acontece quando as glândulas adrenais deixam de produzir seus hormônios característicos, que são cortisona e aldosterona. O paciente pode ter sintomas de confusão mental, vômitos, náuseas, pressão baixa, febre, desconforto abdominal, desidratação, choque circulatório, pressão baixa e hipoglicemia. Nesse caso, acione o SAMU para que ele possa ser conduzido ao hospital e receba a administração de soro e corticóides.

Dica: Em caso de perda de consciência, confusão mental ou outras alterações, interrompa imediatamente o tratamento, retire algodão ou outros materiais da boca do paciente, coloque-o na posição supina e estimule-o com conversas para que ele continue respondendo.

Dificuldades respiratórias

Nem sempre o primeiro sintoma de uma emergência em odontologia virá acompanhado de desmaios ou tonturas. Às vezes, pode começar pelas dificuldades respiratórias, que podem ser causadas por hiperventilação, crise aguda de asma, edema pulmonar agudo e obstrução de vias aéreas por objetos estranhos.

No caso das dificuldades respiratórias, torna-se mais fácil compreender quais são as causas, pois elas sempre vão estar relacionadas às condições já existentes e que devem estar na anamnese. Portanto, é importante levantar um histórico completo do paciente para um atendimento seguro.

Hiperventilação

Como dissemos anteriormente, sintomas de dificuldade respiratória estão conectados com algum quadro já existente, e, nesse caso, a hiperventilação está ligada a pacientes com síndrome de pânico, ansiedade e asma. Esse episódio acontece quando respiração fica rápida, em velocidade maior do que o necessário.

Aqui, é relevante abrirmos espaço para falarmos de ansiedade, que merece atenção especial do cirurgião-dentista. O dever de todo profissional da odontologia é proporcionar saúde ao paciente e, portanto, é importante estar preparado para lidar com condições psicológicas que possam fazer com que a pessoa desista de ir ao consultório para evitar episódios ansiosos. De acordo com a revisão de literatura Ansiedade relacionada ao tratamento odontológico, é relevante ter estratégias para um procedimento que não cause estresse, dor e medo.

Crise aguda de asma

O artigo Manejo da asma aguda em adultos na sala de emergência: evidências atuais explica que a crise asmática consiste em um aumento progressivo na dispneia, tosse, na sibilância ou na constrição torácica, que vem acompanhada por uma diminuição do fluxo respiratório. A crise aguda de asma pede por atendimento emergencial, pois esse quadro pode levar a óbito, caso a pessoa não seja socorrida corretamente.

Em caso de crise de asma aguda, tente acalmar o paciente, sentá-lo em uma posição confortável e ajudá-lo a inalar o broncodilatador até a chegada dos médicos.

Homem negro utilizando bombinha de asma
Em caso de crise de asma aguda, tente acalmar o paciente, sentá-lo em uma posição confortável e ajudá-lo a inalar o broncodilatador até a chegada dos médicos.

Edema pulmonar agudo

O edema pulmonar é caracterizado por líquido dentro do pulmão e pode estar relacionado a doenças cardiovasculares (na maioria das vezes, pela insuficiência cardíaca), pneumonia, trauma da parede torácica e exposição a toxinas ou medicamentos. Crônico ou agudo, o episódio gera falta de ar, sobretudo quando a pessoa se movimenta, sensação de sufocamento ou afogamento, tosse com catarro (pode acompanhar sangue) e dor no peito.

Obstrução de vias aéreas por objetos estranhos

A obstrução de vias aéreas durante um procedimento odontológico acontece caso algo caia na boca do paciente e, por reflexo, seja deglutido. Em alguns casos, objetos podem ser engolidos e expulsos pelas fezes sem causar problemas. Entretanto, caso seja um objeto cortante ou pontiagudo pode causar danos dentro do corpo, como a perfuração do intestino.

Em caso de inalação de objetos, se o paciente estiver respirando normalmente, é necessário acalmá-lo e encaminhá-lo ao atendimento médico. Entretanto, se a pessoa se sentir sufocada, é preciso aplicar a manobra Heimlich, que consiste em criar uma tosse artificial, como podemos ver no vídeo abaixo.

Preparação para emergências médicas em odontologia

Após conhecer os dois sintomas mais comuns em emergências médicas em odontologia, é importante entender que para poder agir diante dessas situações, o cirurgião-dentista deve ter conhecimento em primeiros-socorros, Suporte Básico de Vida (SBV) e ter equipamentos e medicamentos para administrar.

Treinamento em Suporte Básico de Vida

O SBV tem como objetivo atender pessoas em situação de emergência até que um profissional da medicina possa oferecer o atendimento avançado. A ideia é proporcionar suporte ventilatório e circulação mecânica, garantindo que o organismo do paciente continue a responder.

Atualmente, já existem algumas instituições que oferecem cursos em SBV, o que é um ótimo investimento para cirurgiões-dentistas estarem preparados em situações de emergências médicas em odontologia.

Equipamentos e medicamentos para emergência

Além de saber realizar corretamente o SBV, o cirurgião-dentista precisa ter um planejamento para situações emergenciais, assim como um consultório equipado e com medicamentos para o uso durante tais ocorrências.

Portanto, invista em um kit básico para emergências. Ele pode conter ambu, tubo de oxigênio, cânulas de Guedel, farmácia básica, estetoscópio, aparelho de pressão, seringas, glicosímetro e oxímetro.

Aspectos legais das emergências médicas em odontologia

Além do conhecimento técnico em socorrer pacientes no consultório, o profissional de odontologia deve estar ciente das responsabilidades e aspectos jurídicos que possam entrar em questão. Afinal, sabemos que cirurgião-dentista e médico são profissões que lidam com riscos, tanto para quem exerce, quanto para quem é atendido.

Aspecto criminal

Para falarmos sobre questões criminais, vamos começar por entender o que é crime. De acordo com o artigo Responsabilidade criminal do cirurgião-dentista, cometer um crime é violar uma ação prevista e explícita na lei. Pelas palavras do Código Penal Brasileiro, “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

Entre os aspectos criminais, vamos focar naqueles que estão relacionados ao assunto abordado neste artigo, como lesões corporais (previsto no artigo 129 do Código Penal) e a omissão de socorro (artigo 135).

Os próprios procedimentos odontológicos podem causar lesões, como a cirurgia de ortognática. Portanto, é fundamental que o dentista explique corretamente como será o tratamento, para que o paciente esteja ciente de todas as etapas. Entretanto, isso nem sempre se aplica.

Alguns casos podem ser considerados como negligência, imprudência ou imperícia do profissional. O artigo Responsabilidade criminal do cirurgião-dentista explica melhor o conceito: “negligência ocorre pela inobservância dos cuidados que deveriam ser tomados em determinado procedimento; a imprudência, ao contrário, é a prática de atos precipitados sem a avaliação de riscos ou com descuido; e a imperícia ocorre quando um profissional deveria apresentar uma determinada conduta em razão do conhecimento técnico da profissão e, entretanto, por desconhecimento, falta de treinamento ou incapacidade técnica, acaba por causar o dano”.

É essencial que o cirurgião-dentista esteja pronto para saber lidar com situações de emergências médicas em odontologia, a fim de socorrer e prestar atendimento a alguém em situação de perigo. É necessário incorporar o papel do profissional de saúde e garantir conforto à pessoa em perigo até a chegada de uma equipe que dará suporte avançado.

Os aspectos legislativos da área de odontologia também devem fazer parte dos conhecimentos do cirurgião-dentista.

Mãos masculinas brancas apontando para documentos
Os aspectos legislativos da área de odontologia também devem fazer parte dos conhecimentos do cirurgião-dentista.

Aspecto cível

Para entender mais sobre a questão cível em emergências médicas em odontologia, relembramos que esse dever consta no Código Civil (2002) e no Código de Defesa do Consumidor (1990). O artigo Responsabilidade civil do cirurgião-dentista explica que o dentista tem responsabilidade pelos danos causados voluntariamente ou involuntariamente.

De acordo com o estudo, a responsabilidade civil é dividida entre subjetiva, quando os fundamentos são a culpa (imprudência, negligência ou imperícia) e o dolo, e objetiva, quando são a lei e o risco da atividade. O profissional de odontologia é condenado se for comprovada a culpa.

Em situações determinadas como homicídio, a lei obriga o condenado a indenizar o pagamento das despesas com o tratamento da vítima, o funeral e o embolso de alimentos a quem o falecido devia.

Aspecto ético

O artigo número 9 do Código de Ética Odontológica prevê que um dos deveres do cirurgião-dentista é manter-se atualizado sobre os conhecimentos profissionais e técnicos necessários para exercer a profissão, assim como zelar pela saúde e dignidade do paciente. Portanto, mesmo que as emergências médicas em odontologia não sejam frequentes, elas devem ser consideradas e, portanto, cabe ao dentista buscar por capacitação para cumprir com o seu dever ético.

O cirurgião-dentista deve conhecer os conceitos éticos da profissão e aplicá-los no seu dia a dia, com o objetivo de proteger o paciente e não fazer ações que possam culminar em processos criminais e civis.

Anamnese e histórico do paciente

Segundo o artigo Responsabilidade civil do cirurgião-dentista, grande parte das falhas em processos odontológicos tem raíz nos diagnósticos falhos, superficiais e incorretos. Portanto, o primeiro atendimento realizado com o paciente deve gerar uma anamnese completa, assim como um histórico bem levantado, para que o dentista possa estudar melhor os procedimentos que estejam alinhados com a saúde do cliente.

Para ajudar você, separamos algumas perguntas que devem estar na sua anamnese:

  • Você já sofreu alguma intervenção cirúrgica a nível hospitalar?
  • Já recebeu anestesia geral?
  • Faz uso regular de algum medicamento?
  • Faz algum tratamento médico atualmente ou já fez?
  • Apresenta alergia a algum medicamento?
  • Já sofreu algum tipo de mal-estar durante um tratamento odontológico?
  • Já recebeu transfusão de sangue?
  • A sua pressão é alta ou baixa?
  • Tem diabete ou alguém diabético em sua família?
  • Sofre de ansiedade, síndrome do pânico, depressão ou outra doença?
  • Faz uso de álcool, drogas ou fuma?
  • Possui alguma doença crônica?
  • Já passou por radioterapia ou quimioterapia?
  • Você já teve ou tem alguma das seguintes doenças: hepatite, hemofilia, HIV, reumatismo, doença renal, asma, doença cardiovascular, epilepsia, doença pulmonar ou DST?

Além disso, você pode aferir a pressão do paciente, assim como o oxigênio no sangue, para iniciar um tratamento mais seguro e com menos riscos. Afinal, quanto mais medidas preventivas são tomadas, mais simples será oferecer atendimento a pessoas que entram em emergência médica no consultório.

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