Dengue e odontologia: manifestações bucais e o papel do dentista

Mosquito da dengue na pele humana.

A cada ano, surtos de dengue afetam milhões de brasileiros, o que requer muita atenção da população e dos profissionais de saúde. Com sintomas que podem variar de leves a potencialmente fatais, a doença impõe desafios não só ao diagnóstico precoce, mas também ao manejo clínico em diversas áreas da medicina — inclusive na odontologia.

Dentistas, assim como outros profissionais da saúde, podem encontrar manifestações bucais relacionadas à dengue e outras arboviroses, como zika e chikungunya. Além disso, é necessário tomar precauções específicas antes de realizar atendimentos odontológicos em pacientes com suspeita ou histórico recente dessas doenças.

Neste conteúdo, você vai entender a relação entre a dengue e a odontologia, conhecer os sinais clínicos que merecem atenção na prática odontológica, além de conferir os cuidados que devem ser tomados em cada fase da doença. Também abordaremos manifestações orais associadas ao zika e à chikungunya, assim como orientações práticas para um atendimento seguro. Boa leitura!

Entenda a dengue e seu impacto na saúde bucal

A dengue é uma infecção viral transmitida principalmente pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti, que se prolifera em ambientes urbanos com acúmulo de água parada. O vírus pertence à família Flaviviridae e apresenta quatro sorotipos distintos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.

A infecção por um desses sorotipos confere imunidade permanente apenas contra o mesmo tipo, deixando o indivíduo suscetível aos demais. Infecções subsequentes por sorotipos diferentes podem resultar em formas mais graves da doença.

A dengue não é transmitida de pessoa para pessoa: a transmissão ocorre exclusivamente por meio da picada do mosquito infectado. Após picar uma pessoa contaminada, o mosquito pode transmitir o vírus a outros indivíduos depois de um período de incubação.

Fases da doença

A dengue evolui em três fases clínicas:

  1. Fase febril: caracterizada por febre alta, dores de cabeça, musculares e articulares, além de náuseas e erupções cutâneas. Essa fase dura de dois a sete dias;
  2. Fase crítica: ocorre após a queda da febre e é marcada por aumento da permeabilidade vascular, podendo levar a complicações como sangramentos, acúmulo de líquidos e queda da pressão arterial. Essa fase exige monitoramento intensivo;
  3. Fase de recuperação: os sintomas começam a regredir, e o paciente retorna gradualmente ao estado normal de saúde. Essa fase pode durar de alguns dias a semanas.

Implicações sistêmicas

A dengue pode afetar diversos sistemas do corpo humano. Em casos graves, ocorre o comprometimento hepático, cardíaco e neurológico. A forma grave da doença, anteriormente conhecida como dengue hemorrágica, pode levar a uma emergência médica, ao choque circulatório e à morte se não houver intervenção profissional adequada.

Nos últimos anos, a patologia tem preocupado drasticamente autoridades da saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Diante da complexidade da doença, é fundamental que profissionais de saúde estejam atentos aos sinais clínicos e laboratoriais para um diagnóstico preciso e tratamento eficiente.

Arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti: dengue, zika e chikungunya

O Aedes aegypti, conhecido por sua adaptação ao ambiente urbano, é o principal vetor de arboviroses como dengue, chikungunya e zika. Essas doenças compartilham sintomas semelhantes, como febre, dores no corpo e manchas na pele, mas cada uma apresenta características específicas e potenciais complicações distintas.

Dengue: evolução e desafios

A dengue continua sendo uma das arboviroses mais prevalentes no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, em 2024, o país registrou quase 6 milhões de casos prováveis, representando um aumento significativo em relação ao ano anterior. A doença é causada por quatro sorotipos diferentes do vírus, e a infecção por um deles não confere imunidade contra os outros, o que pode levar a casos mais graves em infecções subsequentes.

Os sintomas incluem febre alta, dores musculares intensas e, em casos mais severos, hemorragias e choque. A prevenção ainda é a melhor estratégia, com foco na eliminação de criadouros do mosquito e na vacinação em áreas endêmicas.

Chikungunya: impacto prolongado

Introduzida no Brasil em 2014, a chikungunya se espalhou rapidamente pelo território nacional. Embora os sintomas iniciais, como febre e dores articulares, possam ser semelhantes aos da dengue, a chikungunya se destaca pela possibilidade de dores nas articulações persistirem por meses ou até anos após a infecção.

Ilustração com os sintomas da Chikungunya em cada parte do corpo.
Sintomas da chikungunya. Imagem: Reprodução/Ministério da Saúde

A persistência dos sintomas pode afetar significativamente a qualidade de vida dos pacientes, tornando a chikungunya uma preocupação contínua para a saúde pública.

Zika: riscos neurológicos e congênitos

O vírus zika ganhou destaque durante a epidemia de 2015-2016, quando foi associado a casos de microcefalia em recém-nascidos e à síndrome de Guillain-Barré em adultos. Embora a maioria das infecções seja assintomática ou apresente sintomas leves, como febre baixa e erupções cutâneas, as possíveis complicações tornam o vírus uma ameaça significativa, especialmente para gestantes.

O zika vírus pode se apresentar como uma doença febril autolimitada, como a dengue e a chikungunya. Porém, a patologia preocupa, porque a ciência já associa a presença do vírus a outros quadros de complicações neurológicas, como a microcefalia congênita e a síndrome de Guillain-Barré. 

Apesar de todas as idades e todos os gêneros estarem suscetíveis ao desenvolvimento, algumas pessoas pertencem ao grupo de risco, como as gestantes e pessoas acima de 60 anos, uma vez que essa população concentra maiores chances de complicações.

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Sintomas comuns da dengue e sinais de alerta para dentistas

Apesar de ser amplamente divulgado pelos órgãos de saúde, é sempre importante destacar que os sintomas da dengue são:

  • Febre alta maior que 38 °C;
  • Dor no corpo e nas articulações;
  • Dor atrás dos olhos;
  • Mal-estar;
  • Falta de apetite;
  • Dor de cabeça;
  • Manchas vermelhas no corpo.

Esses sinais geralmente surgem de forma abrupta e podem durar de 2 a 7 dias. Entre o terceiro e o sétimo dia após o início dos sintomas, alguns pacientes podem desenvolver sinais que indicam agravamento da doença, como dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, sangramentos nas mucosas (gengivas e nariz), dificuldade respiratória, pele pálida e fria, sonolência ou irritabilidade e queda na pressão arterial.

Além disso, ela pode agravar algumas infecções odontogênicas, como o relato de caso “Influência da dengue na infecção odontogênica” aborda.

Pessoa com vermelhidão no braço por causa da febre da dengue.
Além dos sintomas físicos de dengue, há estudos que registram interferências na cavidade bucal.

Manifestações bucais relevantes para dentistas

Entenda mais sobre as manifestações na cavidade oral relacionadas à dengue e outros tipos de arboviroses.

Manifestações orais na dengue: o que pode surgir?

Embora as alterações bucais na dengue clássica ainda não sejam amplamente documentadas, alguns estudos relatam a presença de eritema, crostas nos lábios, vesículas no palato mole, além de hiperpigmentação, vermelhidão na mucosa alveolar, inchaço e manchas na mucosa jugal e no lábio inferior.

Na forma hemorrágica da doença, o sangramento gengival tende a ser mais frequente, possivelmente devido à baixa contagem de plaquetas. Também podem surgir petéquias, equimoses, bolhas com sangue sob a língua e nas laterais, sangramento nasal, aumento das amígdalas, ressecamento da boca e sensação de sede intensa.

Além disso, alguns pacientes relatam gosto amargo persistente e dor de dente, sintomas que podem estar associados à inflamação local e à resposta do organismo à infecção.

Zika vírus e impactos na saúde bucal

O zika vírus pode ser identificado na saliva, o que abre espaço para seu uso em diagnósticos. A infecção durante a gestação levanta preocupações, pois pode provocar microcefalia no bebê, condição ligada a alterações como bruxismo, dificuldade para engolir, atraso na erupção dos dentes, doenças gengivais e micrognatia.

Também há registros de crianças com fenda palatina e labial sem histórico familiar, levantando suspeitas de associação com o vírus. Outros sinais observados incluem úlceras aftosas e hipoplasia de esmalte, que podem se manifestar como manchas leves ou perda significativa da estrutura dental.

Chikungunya: manifestações orais associadas ao vírus

Embora distinto do zika, o vírus da chikungunya também pode estar presente na cavidade bucal. Estudos experimentais com camundongos sugerem uma possível transmissão pela saliva durante a fase aguda da infecção.

Os sintomas relatados por pessoas infectadas envolvem dor e ardência na boca, sangramento nas gengivas, dificuldade para mastigar ou engolir, mau hálito, úlceras, incômodo ao abrir a boca, aumento na produção de saliva e secreção esbranquiçada nas gengivas. Esses sinais podem ser confundidos com outras condições bucais, tornando fundamental a avaliação cuidadosa por parte dos dentistas.

Identificação de sinais clínicos graves

Durante a fase crítica da dengue, que geralmente ocorre entre o terceiro e o sétimo dia após o início dos sintomas, podem surgir sinais de alarme, como dor abdominal intensa, vômitos persistentes, sangramentos nas mucosas (incluindo gengivorragia), letargia, hipotensão e dificuldade respiratória. A presença desses sinais indica a necessidade de encaminhamento imediato para avaliação médica especializada para o diagnóstico.

Importância da contagem de plaquetas antes de procedimentos

A trombocitopenia, ou seja, a redução significativa na contagem de plaquetas, é uma característica comum na dengue hemorrágica. Antes de realizar qualquer procedimento odontológico, especialmente os invasivos, é imprescindível solicitar um hemograma completo para avaliar a contagem de plaquetas. Procedimentos devem ser adiados se a contagem estiver abaixo de 50.000/mm³, devido ao risco aumentado de sangramentos.

Precauções em intervenções invasivas

Em pacientes com dengue, procedimentos invasivos, como extrações dentárias ou cirurgias periodontais, devem ser evitados durante a fase aguda da doença.

Caso sejam absolutamente necessários, é imprescindível que sejam realizados em ambiente hospitalar, com suporte médico adequado e monitoramento constante. Além disso, deve-se evitar o uso de anestésicos com vasoconstritores, que podem agravar o quadro clínico do paciente.

Protocolos odontológicos para pacientes com dengue

As arboviroses costumam apresentar manifestações na boca. Em casos mais simples, a imunossupressão é um fator predominante para o risco de candidíase pseudomembranosa oral, já nos graves, há sangramento gengival por dengue. 

Anamnese detalhada e avaliação do histórico médico

Antes de qualquer atendimento, é fundamental realizar uma anamnese completa, investigando sintomas recentes compatíveis com dengue, histórico de infecções anteriores e presença de comorbidades. Essa abordagem permite identificar pacientes em risco e planejar o atendimento de forma segura.

Adaptação de tratamentos durante a fase aguda

Durante a fase aguda da dengue, o foco deve ser em tratamentos conservadores e não invasivos. Procedimentos eletivos devem ser adiados até a recuperação completa do paciente. Em casos de urgência, como abscessos ou dores intensas, o tratamento deve ser realizado com cautela, priorizando o controle da infecção e alívio da dor, sempre considerando a condição sistêmica do paciente.

Cuidados pós-recuperação e monitoramento contínuo

Após a recuperação clínica da dengue, é importante reavaliar o paciente antes de retomar procedimentos odontológicos adiados. A contagem de plaquetas deve estar normalizada, e o paciente deve estar livre de sintomas sistêmicos. Além disso, é recomendável manter um acompanhamento regular para monitorar possíveis complicações tardias e assegurar a saúde bucal e também do corpo do paciente.

Diagnóstico diferencial e cuidado com os pacientes

Embora ainda haja poucas evidências consolidadas sobre os impactos da dengue nos dentes e demais estruturas da boca, é relevante que profissionais da odontologia estejam atentos a relatos que apontam manifestações orais menos conhecidas ligadas às arboviroses.

Acompanhamento constante de publicações científicas confiáveis, como revisões de literatura e estudos de caso, ajuda a ampliar o olhar clínico sobre possíveis sinais relacionados.

Dentista tomando notas em estudo.
Mantenha-se atualizado com estudos sobre dengue hemorrágica, dengue comum e outras doenças arbovirais.

Em pacientes que passaram recentemente por um quadro de dengue, a contagem de plaquetas deve ser avaliada com atenção, principalmente antes de procedimentos que envolvam maior risco de sangramento, como intervenções estéticas faciais.

Apesar da limitação de estudos aprofundados sobre manifestações bucais da dengue, conhecer os sinais iniciais é útil para que dentistas e otorrinolaringologistas contribuam com a detecção precoce da infecção.

Durante a anamnese, é recomendável incluir perguntas sobre doenças virais recentes, como dengue, zika e chikungunya, e verificar o histórico de exames laboratoriais. Em casos recentes, o hemograma pode indicar se há segurança para seguir com o tratamento ou se é melhor adiar certas intervenções para evitar complicações.

Conhecer as características das doenças é fundamental para um ótimo atendimento ao paciente com dengue, tanto no quesito de diagnóstico como de tratamento. Confira também nosso conteúdo sobre doenças na língua: o que são, causas, sintomas e diagnósticos!

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