Uma em cada 650 crianças nascidas possui fissura labiopalatina, um dos defeitos congênitos mais comuns na face humana, revela o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP). Essa malformação acontece até a 12ª semana de gestação e é caracterizada pela ausência da fusão entre lábio e palato.
O tratamento é feito por equipe multidisciplinar, que conta com o cirurgião-dentista, profissional de presença essencial no acompanhamento ortodôntico e de manifestações comuns que surgem com o passar do tempo no paciente fissurado.
Neste artigo, você confere qual o papel da odontologia no tratamento desses pacientes e o que cirurgiões-dentistas devem saber. Boa leitura!
Como ocorre a fissura labiopalatina?
A fissura labiopalatina, como já dissemos, é um dos defeitos congênitos mais comuns na região da face. A população amarela é a mais atingida: a cada 600 nascidos, um possui a anomalia. Já a menor incidência acontece entre as pessoas negras, com proporção de 1:1.100.
Na maioria dos casos, não ocorre comprometimento cognitivo, entretanto, a deformidade pode também acompanhar cerca de 100 síndromes, como síndrome de Down.
De acordo com o artigo “O papel do cirurgião-dentista na abordagem do paciente com fissura labiopalatina”, durante o crescimento do feto algumas partes do rosto desenvolvem-se separadamente e, em seguida, fundem-se. Entretanto, podem ocorrer distúrbios nesse processo, gerando má formação e fendas.
Dessa forma, a fusão entre maxilar e saliências nasais mediais ou processos palatinos podem resultar em diferentes tipos de fissuras, que ocorrem de forma unilateral ou bilateral.
A fissura de lábios e palatos pode acontecer de forma isolada, simultânea e/ou combinada com outras malformações, o que gera graus de severidade ao paciente fissurado.
Etiopatogenia da fissura labiopalatina
Quando pensamos na etiopatogenia da anomalia, é necessário considerar três fatores: genéticos, ambientais e múltiplos.
Fatores genéticos
Os fatores genéticos devem ser considerados no histórico do paciente fissurado, já que eles podem contribuir para o surgimento da anomalia. Para cada situação existe um aumento da porcentagem de influência.
- Pais que não possuem fissura: 0,1%
- Apenas um dos pais: 2%
- Pais sem fissura, porém com um dos filhos fissurados: 4,5%
- Um dos pais com fissura + um filho fissurado: 15%
É importante ressaltar que, como mostram as porcentagens, não existe obrigatoriedade da repetição do surgimento da fissura labiopalatina. Ou seja, não é porque um dos filhos tem, que o outro vai ter também.
Fatores ambientais
Ao levantar o histórico do paciente, é essencial considerar os fatores ambientais, que podem ser doenças, distúrbios nutricionais e a exposição a fármacos, drogas e outros.
Entre as doenças infecciosas que contribuem para o lábio leporino estão sífilis, rubéola, toxoplasmose e citomegalovírus. Já em relação aos distúrbios, eles podem ser endócrinos (diabetes e hipotireodismo) e nutricionais (hipervitaminose A, baixa ingestão de macronutrientes, vitaminas e minerais).
A estrutura genética da mãe, por exemplo, tem grande peso, pois é ela que determina como o organismo irá ingerir e processar o ácido fólico.
O artigo “Genética materna é causa do lábio leporino”, publicado pelo Instituto de Biociência da USP, explica que o ácido fólico é essencial para a geração dos genes e que atua diretamente nos processos de divisão celular e na produção de DNA.
Nos três primeiros meses da gestação, o nutriente é primordial. Entretanto, para alcançar o feto, é preciso que a estrutura genética materna tenha uma boa ingestão da vitamina.
Outros fatores, como uso de fármacos (anticonvulsivante e corticoide), consumo de álcool e cigarro, exposição a químicos industriais e agrícolas, idade materna e paterna avançada, também contribuem.
Um episódio que pode ocorrer com a influência de álcool, cigarro e drogas é quando a mulher ainda não sabe que está gestante. Por não ter conhecimento, pode ser que ela persista no uso dessas substâncias e, consequentemente, isso poderá contribuir para malformações.
Esse tipo de comportamento, até a terceira semana, pode resultar em aborto. Caso o uso das substâncias seja feito entre a terceira e oitava semana, é bem possível que aconteçam malformações, já que esse período é extremamente sensível a perturbações.
Classificação das fissuras
As fissuras labiopalatais podem ser classificadas em três grupos com a literatura de Spina (1972): fissuras pré-forame incisivo, fissura transforame incisivo e fissuras pós-forame incisivo. Dentro de cada grupo, estão estabelecidos outros tipos, como explicaremos adiante.
Fissuras pré-forame
Dentro deste primeiro grupo, temos as fissuras labiais unilateral (em um lado), bilateral (em dois lados) e mediana (no meio). Elas se limitam ao palato primário e, dessa forma, acometem o lábio e/ou o rebordo alveolar sem ultrapassar o limite do forame incisivo. A aparência, no vermelhão do lábio superior, é um corte discreto.
Fissuras transforame incisivo
No segundo grupo, ficam as fissuras de maior gravidade, ou seja, abrangem total ou simultaneamente o palato primário e secundário. Podem ser unilaterais ou bilaterais. Atingem lábio, arcada alveolar e palato.
Fissuras pós-forame incisivo
Por último, temos as fissuras de palato e, geralmente, elas ocorrem de forma mediana, situadas na úvula ou em outras partes do palato mole e duro. Nesse caso, os lábios e dentes ficam intactos.
Fissura labiopalatina: tratamento multidisciplinar
Segundo o artigo “O papel do cirurgião-dentista na abordagem do paciente com fissura labiopalatina”, é importante que o fissurado tenha o tratamento dividido em três partes: pré-cirúrgico, cirúrgico e pós-cirúrgico.
Da 1ª semana ao 3º mês de vida, a família irá receber informações e suporte psicológico e de assistência social. A equipe multidisciplinar dos profissionais de saúde também começa a atuar: pediatras analisam o equilíbrio sistêmico; fonoaudiólogos trabalham para melhorar a sucção do bebê; e a odontopediatria realiza procedimentos preventivos e com foco na educação alimentar.
Paralelo ao cirurgião-dentista, o protesista pode atuar com a confecção de uma placa acrílica para vedar a fissura e facilitar a alimentação do bebê. O terapeuta ocupacional e nutricionista também auxiliam por meio de técnicas para pais alimentarem o paciente.
Na segunda etapa, que ocorre do 6º ao 12º mês, é avaliada as condições de saúde do bebê. Caso esteja tudo bem, ele pode passar pela queiloplastia com o cirurgião-plástico. A partir do primeiro ano até o 15º mês, é realizada a palatoplastia.
A partir desse momento até ao quinto ano de vida da criança, ela irá receber acompanhamento da equipe multidisciplinar composta por pediatra, psicólogo e fonoaudiólogo, além das áreas de nutrição, periodontia, odontopediatria, ortodontia, prótese, enfermagem, otorrinolaringologia e refinamento da cirurgia.
Entre os sete ou oito anos de vida, o paciente passa pelo procedimento preventivo na dentadura mista. Até os nove anos, ocorre o crescimento craniofacial e, portanto, chega o momento de fazer o enxerto ósseo secundário.
Dos nove aos 16 anos, é realizado o tratamento corretivo ortodôntico e, entre os 13 e 18 anos, se necessário, é feita a cirurgia ortognática.
Atuação do cirurgião-dentista
Como podemos ver, por ser uma anomalia que ocorre na região da face, local de estudo da odontologia, o papel do cirurgião-dentista é imprescindível. Ele deve acompanhar o paciente desde os primeiros meses de vida até a fase jovem adulta.
Pacientes fissurados, por sofrerem com as diversas alterações que são consequentes à fissura labiopalatina, necessitam de tratamento odontológico feito por diferentes especialistas, com o intuito de prevenir e corrigir manifestações indevidas.
Segundo o artigo “A ortodontia na atenção multidisciplinar na saúde do paciente fissurado”, as fissuras atingem o desenvolvimento dos dentes decíduos e permanentes e pode ocorrer a ausência congênita de dentes e a presença de dentes supranumerários.
Além disso, podem ocorrer microdentes, erupção dentária ectópica, dentes natais, neonatais e intranasais, atraso na erupção e na formação dentária. É comum também encontrar, entre as anomalias, a anodontia.
Como consequência dessas ocorrências, é frequente surgirem más oclusões, mordidas cruzadas anterior e posterior na dentadura decídua. Doenças de cáries e periodontais também são consequências.
Abordagem pela odontopediatria
A odontopediatria deve atuar com ênfase na manutenção, estabelecimento e preservação da saúde bucal do paciente, por meio da atenção precoce educativa-preventiva.
Essa etapa é fundamental e decisiva para todo o tratamento, pois previne-se uma série de ocorrências desde cedo, como problemas de gengivite.
Também cabe ao odontopediatra a preservação do osso na área da fissura e a redução de riscos de infecções e problemas consequentes do pós-operatório.
Abordagem na ortodontia
Na ortodontia, o foco é a ortopedia pré-operatória, com o objetivo de auxiliar o desenvolvimento e crescimento maxilomandibular. De acordo com o artigo “A ortodontia na atenção multidisciplinar na saúde do paciente fissurado”, é indicada a colocação de uma placa palatina para ajudar na alimentação e sucção, assim como corrigir aproximações dos rebordos maxilares.
Em casos de envolver o rebordo alveolar, é necessário atenção especial ao enxerto ósseo alveolar secundário.
A abordagem odontológica é essencial para o tratamento da fissura labiopalatal e, portanto, esse acompanhamento deve iniciar o quanto antes. Os cirurgiões-dentistas, por terem papel imprescindível, devem manter-se atualizados sobre o assunto e estudar as novidades e tecnologias criadas para proporcionar mais qualidade de vida.
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Oie tenho lábios leoporinos queriam um tratamento dentário
Olá, João! Como vai?
Indicamos que busque associações em sua cidade que façam trabalhos específicos com pessoas com fissura labiopalatina ou, então, busca indicação do seu dentista de confiança.
Abraços!