Falar sobre atendimento odontológico ao usuário de droga pode ser algo ainda distante de muitos profissionais. A verdade é que todos os dentistas já receberam esse perfil de paciente e muitas vezes não sabem como lidar, justamente por criar um estereótipo dessas pessoas ou por não ter conhecimento suficiente sobre o assunto.
Neste post, iremos ajudá-lo a compreender melhor os conceitos relacionados ao uso de drogas, assim como explicaremos os malefícios para a saúde bucal e como o cirurgião-dentista deve lidar com esse paciente. Continue a leitura e saiba mais!
Drogas: o que são, de fato, essas substâncias?
Todos nós temos um conceito básico sobre drogas. Esse é um assunto popular, do qual ouvimos falar desde criança na escola, na televisão e em diversos ambientes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como “qualquer entidade química ou mistura de entidades que altere a função biológica e possivelmente a estrutura do organismo”.
Outro ponto importante é que as substâncias são divididas por categorias, conforme a com a produção, como podemos ver na tabela abaixo.
Tipos de drogas | ||
Naturais | Semisintéticas | Sintéticas |
Totalmente provenientes de plantas, como cogumelos, ópio, maconha, chá de trombeteira etc. | Também são de origem natural, mas a diferença está no processamento. Exemplos são o tabaco e o álcool. | Esse grupo são as substâncias totalmente produzidas em laboratório, como cocaína, heroína, LSD, ecstasy etc. |
Além da classificação por tipo, há outras que estão relacionadas aos efeitos, à legislação, ao padrão de uso etc.
Tipos de drogas de acordo com a lei | |
Ilícitas | Lícitas |
Drogas com produção, comercialização e uso proibido, como maconha, LSD, cocaína e outros. | Substâncias sem restrições em relação à produção e comercialização, como cigarro, álcool, solventes etc. Pode-se dizer que são socialmente aceitas, exceto os solventes cujo objetivo é serem utilizados para realização de alguns trabalhos em obras, marcenaria etc.As anfetaminas, por exemplo, entram nessa lista. Mas vale lembrar que ela está associada à compra com receita médica. |
Outro aspecto importante é em relação ao padrão de uso, que existem cinco, de acordo com a OMS. Isso significa que as pessoas podem consumir para experimentar ou apenas em ocasiões sociais e não necessariamente ser alguém dependente de drogas.
- Experimental: Como o nome indica, este tipo de padrão está relacionado à experimentação. Ou seja, tem relação com usar uma única vez na vida ou ocasionalmente, mas com pouquíssima frequência (uma vez ao ano, ao mês — no último caso, não pode passar de três vezes).
- Recreativo: O uso recreativo é quando o indivíduo faz uso das drogas em contextos de festas, sociais ou para relaxar, sobretudo em grupo. Apesar de estar relacionado às substâncias ilícitas, não necessariamente vai prejudicar a saúde do paciente, uma vez que é um consumo pontual.
- Controlado/Social/Funcional: Neste caso, o uso é feito em situações socialmente aceitas, como em festas, bares, jantares etc. Não é o tipo de consumo que traz dependência ou outros problemas mais graves à saúde.
- Nocivo/abusivo: De acordo com o artigo “Padrões de uso de drogas, vulnerabilidade e autonomia”, define-se como o modo de consumo de uma substância psicoativa que é prejudicial à saúde, com complicações físicas ou psíquicas.
- Dependência: Quando a pessoa faz uso nocivo de substâncias e já apresenta síndrome de abstinência e compulsão.
Atendimento e tratamento para usuários de drogas
Lidar com pacientes usuários de drogas é uma tarefa bastante complexa, especialmente quando pensamos em pessoas que sofrem por dependência. Primeiramente, é essencial deixar o preconceito de lado e ideias ultrapassadas de que esse indivíduo é mau-caráter e, por isso, faz o consumo das substâncias.
É importante ter uma postura humanizada e compreender que existem diversos fatores associados ao uso, como o social, psicológico, familiar, socioeconômico, comportamental etc. O vício é uma doença e o consumo das substâncias podem ser uma forma que o paciente encontrou para lidar com traumas, dificuldades, ansiedade, luto, baixa autoestima, sobrecarga entre outros problemas.
Portanto, não cabe ao cirurgião-dentista julgar, e sim encontrar soluções para estruturar um plano de tratamento e auxiliar o paciente com a ajuda de uma equipe multidisciplinar.
De acordo com o artigo “A importância da equipe multidisciplinar no tratamento da dependência química”, justamente por ser um problema multifatorial, é essencial contar com a presença de profissionais de diferentes áreas, integrados com o propósito de gerar bem-estar físico, emocional e psicológico.
A equipe pode ser composta por médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, assistente social, educador físico e cirurgião-dentista, por exemplo.
O plano de tratamento multidisciplinar será estruturado pelos profissionais responsáveis pelos cuidados com esse paciente, embora seja essencial a presença de um cirurgião-dentista para lidar com as ocorrências de saúde bucal, que falaremos mais adiante.
Diante disso, é muito importante que dentistas estejam dispostos a estudar mais sobre o assunto para entender os efeitos bucais de cada substância, assim como identificar o uso de drogas feito pelo paciente e ajudá-lo a encontrar tratamento, caso ele ainda não o faça.
Além disso, é necessário estruturar uma boa anamnese e saber como encaminhar o paciente que precisa de ajuda, sobretudo se você atua na atenção primária à saúde.
Anamnese: o que não pode faltar
Não há dúvidas de que a anamnese é um documento fundamental para conhecer melhor qualquer paciente antes de iniciar algum tratamento. Nela, é crucial ter perguntas relacionadas ao consumo de substâncias — como já explicamos, nem sempre será perceptível que alguém faz uso de drogas, especialmente se for de perfil recreativo, experimental ou social.
Antes de dar início, vale ter uma conversa com o paciente sobre a importância de responder com sinceridade todas as perguntas. Explique que, enquanto profissional da saúde, esse é um espaço seguro e que a pessoa pode sentir-se confortável para falar sobre os hábitos e/ou vícios.
Caso o seu modelo de anamnese ainda não tenha nada relacionado ao uso de drogas, vale inserir as seguintes perguntas:
- Já usou ou faz uso de drogas?
- Que droga usa ou usava?
- Com qual frequência?
- Se usa, faz quanto tempo?
- Quando foi a última vez que usou?
- Faz uso compartilhado?
Encaminhamento de pacientes usuários de drogas
Ao perceber que o seu paciente faz uso nocivo das substâncias, mas que ainda não recebe qualquer tipo de atendimento, incentive-o a buscar ajuda de profissionais.
Aconselhe a fazer uma visita à Unidade Básica de Saúde, onde ele será atendido pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), que propõe atendimento de atenção básica. Dentro desse grupo, o médico clínico geral poderá analisar e encaminhar o paciente para o atendimento multidisciplinar.
Não deixe também de incentivar a encontrar apoio em grupos específicos. Para isso, informe-se onde esses serviços são oferecidos na sua cidade e sempre tenha o contato deles para entregar ao paciente.
Efeitos das drogas na saúde bucal
É possível observar diferentes manifestações de acordo com o uso das substâncias. Segundo o artigo “Repercussões bucais do uso de drogas na adolescência”, são elas:
- Álcool: xerostomia transitória, modificação da flora microbiana, manchamento dentário, aumento do volume das gengivas, dificuldades de coagulação, mau hálito, ressecamento das mucosas da boca, aumento das chances de doenças periodontais, cáries e câncer bucal.
- Tabagismo: manchamento dos dentes, redução do pH bucal, aumento de cálculo dentário, cárie, gengivite, periodontite, câncer bucal, perdas dentárias etc.
- Maconha: xerostomia, cárie, doenças periodontais, queimaduras na mucosa bucal, estomatite canábica, candidose e outras.
- Cocaína: perfurações no septo nasal e palato duro, xerostomia, ressecamento de mucosa, descamação gengival, formação de cálculo, periodontite, desmineralização dentária cervical, cárie rampante, perdas dentárias, bruxismo, candidose etc.
- Crack: perdas dentárias ocasionadas por doenças periodontais, repercussões negativas no sistema estomatognático e outras.
- Ecstasy: xerostomia, cárie, periodontite, sensibilidade dentária, apertamento e bruxismo.
Outras ocorrências que surgem por consequência do uso da droga são maior vulnerabilidade para infecções, hemorragias pós-operatórias, hábitos precários em relação à saúde bucal e dieta pouco nutritiva e que não corresponde às necessidades do corpo.
Além desses quadros, há riscos de desgaste da estrutura dental e queimaduras.
Cuidados com o paciente
Além dos procedimentos padrões, é importante que o cirurgião-dentista esteja atento a outras ações necessárias para esse perfil de paciente. A orientação e a motivação devem ser reforçadas, com o intuito de preservar o máximo possível a saúde bucal da pessoa.
Após relatado que o paciente é usuário de drogas, é muito importante solicitar exames laboratoriais — no mínimo, um hemograma. Isso porque, muitas vezes, essa pessoa pode ter uma alimentação incorreta e, consequentemente, apresentar anemias e outros problemas.
Sobre pacientes que fazem uso de crack e cocaína, é preciso ter alguns cuidados específicos, uma vez que é comum notar arritmia e angina nesses grupos. Dessa forma, é preciso investigar se a pessoa sofre de um desses males para evitar situações de risco durante o atendimento.
Em relação aos anestésicos para pacientes que fazem uso de psicoestimulantes (crack, cocaína, LSD, heroína etc.), é necessário evitar a aplicação daqueles com adrenalina ou noradrenalina. Isso porque o usuário dessas drogas já costumam ter a adrenalina alta e, ao haver uma sobrecarga, pode piorar a arritmia e angina.
Quando houver dúvidas, a dica é ter contato próximo com o médico que atende o paciente usuário de droga. Especialmente para aqueles que já fazem acompanhamento, vale investigar e entender quais são as limitações dessa pessoa, quais remédios podem ser receitados ou não, além dos cuidados durante os procedimentos.
Enquanto cirurgião-dentista, é essencial manter-se sempre atualizado sobre o assunto, sobretudo se você atua em instituições que atendem especificamente esse grupo de pacientes. Nunca deixe de buscar informações e de estar a par de todas as novidades sobre o tema.
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