Seja em escolas ou outros espaços, os cirurgiões-dentistas especialistas na área de saúde bucal coletiva (SBC) são responsáveis por atendimentos e estratégias que buscam a promoção do bem-estar da população, assim como conscientizar e realizar ações preventivas sobre manifestações bucais.
Desde a década de 1970, a SBC se consolida por meio de críticas a projetos de reforma de saúde e ao universalismo naturalista do saber médico, e compreende que o tema é complexo e abrangente, e que inclui construções sociais.
Quer conhecer mais sobre a saúde bucal coletiva e entender essa área de trabalho dentro da odontologia? Continue a leitura do texto!
Como surgiu a saúde bucal coletiva?
Para compreendermos o surgimento da SBC que, como já explicamos, nasce como uma crítica a outros projetos, é necessário conhecer o histórico de ações que levaram até essa área.
No passado, durante muito tempo, a odontologia atuava de forma excludente e pouco resolutiva em relação às principais manifestações bucais. No século 20, com a consolidação dos Estados Unidos como potência, houve forte influência na prática odontológica no Brasil por conta do modelo estadunidense.
Essa metodologia norte-americana era conhecida como relatório Flexner, que propunha o modelo biologicista médico-curativo, ou seja, um conceito que foca a atenção totalmente na doença, ao invés de enfatizar a prevenção e promoção da saúde.
No Estado de São Paulo, a partir de 1929, ações começaram a ser implantadas dentro de escolas e, em 1947, nasceu o Serviço de Higiene Buco-Dentário, que foi um marco na assistência odontológica pública em diversas unidades federativas.
Entretanto, de acordo com o artigo “Saúde Bucal Coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade”, por mais que essas ações buscassem trazer algum tipo de educação, elas continuava a reproduzir o que era feito em consultórios particulares e, portanto, não visualizavam um diagnóstico a nível populacional e não procuravam por planejamentos que pudesse agregar valor à população.
Sistema incremental
No Brasil, o cenário começa a mudar graças à criação do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) em Aimorés (MG), 1952, que implementou os primeiros programas de odontologia sanitária. Esse projeto influenciou municípios do Norte, Nordeste e Sudeste brasileiro.
Esses projetos eram focados no público dos 6 aos 14 anos, idade em que a prevalência de cáries é forte. Acreditava-se que, ao atender essa população, a redução da manifestação bucal em adultos seria maior. Esse modelo de assistência é conhecido como sistema incremental e, nele, adultos tinham apenas acesso a atendimento de urgência.
Em relação aos recursos preventivos do sistema incremental, as únicas ações restringem-se à fluoretação da água de abastecimento em alguns municípios e, para aqueles em que não era possível essa alternativa, eram indicadas as aplicações tópicas de fluoreto de sódio a 2% para crianças de 7, 10 e 13 anos.
No início da década de 1970, esse modelo passou a ser visto como ultrapassado, uma vez que, apesar do sucesso com o público infantil, ele excluía a população adulta e não foi capaz de reduzir as cáries nesse grupo.
Programa de Inversão da Atenção (PIA)
As críticas ao sistema incremental como um projeto excludente e curativista contribuíram para que, no final dos anos 1980 surgisse o PIA, pelos professores Loureiro e Oliveira da Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), que deixa de focar na cura e passa a se preocupar com o controle da cárie.
De acordo com o artigo “Especialização em saúde da família: modelos assistenciais em saúde bucal”, o Programa de Inversão da Atenção era dividido em três etapas:
- Estabilização: foco em reduzir a incidência e velocidade da propagação da cárie por meio de ações preventivas para controle da doença e individuais não invasivas e de tecnologia invasiva para controle de lesão.
- Reabilitação: restabelecimento da estética e das funções perdidas pelas sequelas da cárie.
- Declínio: quando a doença está controlada e inicia-se a educação sobre autocuidado e fatores condicionantes.
O estudo explica que, apesar dos avanços trazidos pelo PIA, ele era um método excludente (por, novamente, focar em crianças) e que não levava em consideração as necessidades epidemiológicas da população e, portanto, não reduziu o início de dentes cariados perdidos e obturados.
Atenção precoce
Em 1985, a odontologia passou a se preocupar com os menores de 6 anos, que, até então, eram excluídos dos sistemas anteriores. Os municípios de Cambé, Londrina (ambos no Paraná) e Araçatuba (São Paulo) foram importantes para esse momento devido a implementação das clínicas para bebês.
A atenção precoce era voltada para o atendimento antes do primeiro ano de vida e, às vezes, incluía as gestantes. Além disso, era focada na educação do núcleo familiar ou responsáveis pela criança para que fossem capacitadas a realizar a higienização da cavidade bucal, controle da amamentação noturna após os seis meses e a conscientização do consumo do açúcar.
O atendimento era dividido em dois momentos: o primeiro, a fase educativa, que era realizada junto aos responsáveis pela criança para receber informações sobre saúde bucal; a segunda, a fase preventiva, em que eram feitos os atendimentos e o acompanhamento a cada dois meses.
Segundo o estudo “Especialização em saúde da família: modelos assistenciais em saúde bucal”, a crítica a essa fase é, assim como as outras, aos serviços excludentes. Entretanto, esse é um método de extrema importância, já que agregou muito às políticas públicas de qualidade.
Programas de Saúde da Família (PSF)
Em 1990, nasce o Sistema Único de Saúde (SUS) e, em 1994, o Programa de Saúde da Família, com o objetivo de aumentar o acesso à saúde nos serviços de atenção básica. Nesse momento, o foco era na promoção de bem-estar individual e coletivo por meio de diversas ações.
O PSF tem abordagem mais humanizada em relação ao atendimento e, ao contrário dos outros métodos, as ações odontológicas são planejadas baseadas em critérios epidemiológicos, demográficos e socioeconômicos, como explica o artigo “Especialização em saúde da família: modelos assistenciais em saúde bucal”.
Com essa estratégia, a população deixa de ser excluída, uma vez que o SUS oferece atendimento para todas as faixas etárias. Além disso, o PSF contribui para o fortalecimento de ações, como as realizadas em escolas.
A crítica ao PSF, de acordo com o estudo citado neste tópico, fica em relação à má formação de alguns profissionais no quesito de especialização e aperfeiçoamento, inexistência de plano de carreira para os cirurgiões-dentistas e aos odontologistas que focam apenas no atendimento do consultório e não têm o interesse em entender a realidade da população.
Posteriormente, outras políticas foram surgindo, como a Brasil Sorridente (2004), com o objetivo de ampliar o atendimento odontológico no país, e a implementação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs).
Qual a importância da saúde bucal coletiva na odontologia?
Como vimos até agora, ao longo da história, diversos projetos trouxeram contribuições que melhoraram a saúde bucal dos brasileiros e que, com o passar dos anos, evoluíram e aumentaram o acesso à população.
De acordo com o artigo “Saúde Bucal Coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade”, a SBC busca fugir do tecnicismo e do biologismo, e tem o compromisso com a qualidade de vida da sociedade e com a defesa da cidadania.
A saúde bucal coletiva também vai em contramão à odontologia de mercado, que é aquela que acontece nos consultórios particulares. Nesses espaços, a base biológica e individual tornam-se predominantes, fazendo com que o serviço seja visto apenas como um produto, sem humanização.
Apesar da humanização ser um princípio do atendimento em PSF, o autor do artigo acredita que grande parte dos serviços públicos odontológicos brasileiros segue a mesma linha de atuação que o setor privado.
Quais habilidades necessárias para trabalhar com saúde coletiva?
Assim como todas as áreas de atuação da odontologia, a saúde coletiva bucal também exige algumas habilidades do profissional. Como vimos durante o texto, o atendimento humanizado é uma delas, já que o interesse pelo paciente como um todo é primordial para sair da lógica curativista.
Além dessa, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo inclui outras competências necessárias. São elas:
- Elaboração e execução de projetos, programas e outros sistemas de ação;
- Participar, em nível administrativo-operacional de equipe multiprofissional, por intermédio de:
organização de serviços;- gerenciamento em diferentes setores e níveis de administração pública;
- vigilância sanitária;
- controle de doenças;
- educação em saúde pública.
Áreas de atuação para especialistas em saúde bucal coletiva
Seja no âmbito público ou privado, o especialista em SBC pode trabalhar em diversas esferas. Segundo o artigo “O mercado de trabalho odontológico em saúde coletiva: possibilidades e discussões”, a área vem atraindo os profissionais, especialmente aqueles que não têm condições financeiras suficientes para investir em diversos cursos de aperfeiçoamento ou em consultórios mais sofisticados.
Entre as oportunidades, estão:
- Auditor odontológico: responsável por acompanhar a tramitação das cobranças de serviços odontológicos prestados.
- Gestor odontológico: formação e manutenção da rede assistencial. Também é dever desse profissional controlar e prever custos assistenciais.
- Terceiro setor: atendimento odontológico em instituições não governamentais e sem fins lucrativos.
- Cirurgião-dentista no PSF: participação em equipes interdisciplinares e multiprofissionais para o planejamento e desenvolvimento de políticas públicas e vigilância da saúde coletiva.
A atuação na área de saúde bucal coletiva é diversa, entretanto, é necessário que o profissional tenha o compromisso em compreender o objetivo de trabalhar dentro desses espaços e entenda a importância da prestação de serviços de forma humanizada e com olhar coletivo.
Gostou deste conteúdo? Não deixe de cadastrar-se em nossa newsletter para conhecer mais sobre outras áreas da odontologia e oportunidades de atuação no mercado.