O tratamento odontológico de pacientes com leucemia é necessário, mas, como qualquer outro caso oncológico, é essencial ter mais cuidado e atenção redobrada — afinal, estamos falando de pessoas com diagnósticos complexos e que interferem de várias formas no organismo.
Se você, dentista, ainda tem dúvidas sobre como lidar com o paciente com leucemia, continue a leitura e confira as dicas que levantamos para te ajudar.
O que é leucemia?
Antes de tudo, vale revermos o conceito de leucemia. É uma doença maligna dos glóbulos brancos e a principal característica é o acúmulo de células doentes na medula óssea e que acabam por substituir as células sanguíneas saudáveis.
Assim como todo câncer, há a proliferação de células cancerígenas e, no caso da leucemia, acontece a clonagem de células sanguíneas imaturas que são fruto de mutações de células-tronco hematopoiéticas.
A grande quantidade de células doentes que se proliferam competem por espaço com as saudáveis, dentro da medula óssea. Como consequência desse processo, ocorre a insuficiência medular (incapacidade de produção de células sanguíneas para as necessidades do organismo) e a morte.
Classificação da leucemia
Outra informação importante sobre a doença é que ela é dividida em tipos, com classificação histológica. Consideram-se os seguintes aspectos:
- Semelhança entre as células leucêmicas e as células normais (mieloide versus linfoide).
- Grau de maturidade das células leucêmicas (aguda versus crônica).
Formas agudas da leucemia
As formas agudas são caracterizadas pelo acúmulo de células imaturas e sem função na medula óssea, que evoluem rapidamente.
Como explicamos, essas células rapidamente se proliferam na medula e reduzem a produção de hemácias, plaquetas e leucócitos. O resultado desse quadro são anemias, infecções e sangramentos, além das células leucêmicas se moverem para a corrente sanguínea e atacar órgãos.
Quando o paciente não recebe tratamento, a doença é capaz de, rapidamente, levar a pessoa a óbito. Confira, a seguir, as leucemias deste grupo.
- Leucemia Linfoide Aguda (LLA): proliferação anormal de células linfóides imaturas na medula óssea e, consequentemente, no sangue periférico. Pode se disseminar para linfonodos, baço, fígado e para o sistema nervoso central (SNC). É mais comum em crianças, sobretudo meninos dos dois aos quatro anos.
- Leucemia Mieloide Aguda (LMA): proliferação descontrolada de células imaturas mieloides na medula óssea e no sangue periférico, o que pode levar o paciente a óbito de um a três meses, quando não tratada. É mais frequente em adultos e idosos.
Leucemias crônicas
Este grupo é identificado pelas leucemias que se desenvolvem de forma mais lenta, com células mais maduras, com morfologia próxima às normais e que podem exercer suas funções celulares. Neste diagnóstico, o paciente, ainda que não receba o tratamento, pode viver muitos anos. Confira as doenças deste grupo.
- Leucemia Linfoide Crônica (LLC): neoplasia com linfócitos clonais maduros acumulados no sangue, na medula, no baço e nos linfonodos. É o tipo mais comum em adultos e, também, acomete idosos.
- Leucemia Mieloide Crônica (LMC): proliferação excessiva de leucócitos maduros da linhagem mieloide, o que leva à esplenomegalia e a níveis muito altos de leucócitos periféricos. Geralmente, é mais diagnosticada em idosos maiores de 60, principalmente homens.
Manifestações orais da leucemia
Existe a grande possibilidade de haver suspeitas de leucemia por meio das manifestações bucais, especialmente quando são doenças agudas. Isso acontece porque há a redução da função da medula óssea e, como consequência, ocorre a neutropenia e a trombocitopenia. Considerando a situação, não há dúvidas de que o cirurgião-dentista é um elemento fundamental no diagnóstico precoce do câncer.
A trombocitopenia é o número reduzido de plaquetas no sangue. Entre os sintomas, estão o aumento de hemorragias, inclusive na gengiva. Já a neutropenia é a queda de neutrófilos no sangue e pode haver úlceras ao redor da boca.
Além disso, as manifestações podem ser divididas em primárias (quando há infiltração de células malignas nas estruturas bucais), secundárias (tem relação com a trombocitopenia, granulocitopenia e anemia) e terciárias (associadas à terapia mielossupressiva e imunossupressiva de citotoxicidade direta ou indireta).
Primárias
As manifestações bucais primárias são mais frequentes em pacientes de doenças agudas. Em geral, notam-se as seguintes alterações:
- Aumento da papila interdental e da gengiva marginal;
- Sangramentos na gengiva;
- Gengivite;
- Hiperplasia gengival;
- Ulceração da mucosa no palato, assoalho oral e na língua;
- Alguns casos apresentam dentes quase totalmente cobertos por lesão de aspecto hiperplásico.
Nos diagnósticos crônicos, as manifestações primárias são menos comuns.
Secundárias
Nesta categoria, os casos crônicos também se enquadram. É possível notar palidez na mucosa, infecção dos tecidos moles e linfadenopatia generalizada. Outros sintomas:
- Petéquias e equimoses no palato, assoalho bucal, na gengiva, língua e nos lábios.
- Sangramentos gengivais espontâneos;
- Palidez na mucosa oral;
- Infecções por fungos, bactérias e vírus.
Terciárias
As manifestações orais, como explicamos, são aquelas derivadas dos tratamentos. É muito importante ressaltar que as complicações terciárias nem sempre serão iguais, já que depende do tipo de droga utilizada na quimioterapia, do estado de saúde do paciente, do diagnóstico, da idade e das condições de saúde bucal.
A principal manifestação que surge em pacientes durante a fase de tratamento é a mucosite — ela acontece como efeito colateral da quimioterapia, especialmente da leucemia linfoide aguda. Outros quadros são xerostomia, aumento de infecções, hemorragias, dor e disfunção das glândulas salivares.
Atenção: caso o paciente faça quimioterapia combinada com radioterapia, as reações colaterais tendem a serem mais intensas, e é possível notar novos sintomas, como alterações e perda do paladar, cáries, osteorradionecrose e trismo.
Qual o papel do cirurgião-dentista no tratamento de leucemia?
Você já percebeu que o cirurgião-dentista é peça-chave no diagnóstico da leucemia, uma vez que os primeiros sintomas da doença costumam aparecer na região da boca. É essencial ter conhecimento da patologia para identificar lesões que são potenciais indícios do câncer, tanto para não assustar o paciente com uma falsa suposição como para ajudar no diagnóstico precoce.
O cirurgião-dentista deve estar preparado e ciente de que complementa a equipe multidisciplinar oncológica, com o importante papel de garantir mais qualidade de vida, diminuir dores ou incômodos, prevenir novas lesões e orientar o paciente em relação à higiene bucal.
Além disso, sempre vale destacar que profissionais que compõem uma equipe oncológica sempre vão além da parte técnica, e devem acolher, ajudar, ouvir e garantir que o enfermo receba informações de qualidade, evitando que ele caia em notícias falsas prejudiciais para a saúde.
Como é feito o tratamento odontológico de pacientes com leucemia?
O paciente oncológico em odontologia deve receber manejo especial e cuidadoso, por isso, desde o primeiro contato, ou seja, na anamnese, é preciso que o cirurgião-dentista esteja extremamente atento.
No momento da anamnese, solicite ao paciente a avaliação clínica feita pelo oncologista e o laudo dos tratamentos que já foram feitos. Além disso, sempre que for atender, peça uma cópia dos hemogramas mais recentes, para analisar quadros de anemia e outras complicações.
Antes de começar qualquer tratamento, é muito importante que, em primeiro momento, o foco esteja em tratar o mais urgente. Para os procedimentos que são apenas opcionais, o ideal é adiar para quando o paciente estiver em melhor estado de saúde.
Após o diagnóstico de leucemia, o ideal é que a pessoa receba o quanto antes a avaliação odontológica, para que sejam feitos tratamentos preventivos, assim como educação para a saúde bucal — se for um paciente infantil, os pais devem ser orientados corretamente.
O tratamento odontológico de pacientes com leucemia deve ser pautado em prevenção de lesões e infecções e higiene bucal.
Orientações para saúde bucal
Ao receber o paciente no consultório, algumas orientações são importantes para que ele possa, em casa, cuidar bem da região da boca. São elas:
- Uso de escova dental macia.
- Escovação deve ser feita de forma suave, sempre com creme dental e após todas as refeições.
- Higienizar sempre a língua.
- O fio dental deve ser utilizado, no mínimo, uma vez por dia — com preferência para o período da noite.
- Se utilizar prótese, mantê-la sempre higienizada.
- Manter a boca lubrificada com goles de água ao longo do dia.
- Em caso de alterações, suspender o uso de prótese e procurar o quanto antes o dentista.
- Fazer uso de chicletes e balas sem açúcar para manter a salivação da boca.
Atendimento odontológico pós-leucemia
Após receber alta da doença, o paciente volta a ser visto como alguém de baixo risco e, portanto, pode fazer os atendimentos normalmente. A literatura citada no artigo “Tratamento odontológico em pacientes com leucemia de acordo com seus índices hermatológicos e fase do tratamento antineoplásico“ explica que o tratamento ortodôntico está liberado após dois anos e, pelo período de seis meses, quando houver necessidades de cirurgias bucais e maxilofaciais, é necessário realizar profilaxia antibiótica.
Esperamos que este conteúdo tenha te ajudado. Não deixe de buscar mais conhecimentos por meio de artigos, workshops, palestras e, até mesmo, especializações. E se você deseja receber mais materiais do nosso blog, inscreva-se na nossa newsletter abaixo!
Referências:
COSTA, S. DE S.; SOUSA, H. R.; COSTA, I. S. O PAPEL DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO DIAGNÓSTICO PRECOCE DA LEUCEMIA E SUA RESPONSABILIDADE ÉTICA E LEGAL – REVISÃO DE LITERATURA. Revista Brasileira de Odontologia Legal, v. 4, n. 2, 5 mar. 2017.
Cuidados bucais e gerais durante o tratamento oncológico. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.bu.ufmg.br/imagem/000024/00002443.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2023.
ZIMMERMANN, C. Trabalho de Conclusão de Curso Tratamento Odontológico em Pacientes com Leucemia de acordo com seus Índices Hematológicos e Fase do Tratamento Antineoplásico – Revisão da Literatura. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/103608/Caroline%20Zimmermann.pdf?sequence=1&isAllowed=y>.