Entre os desafios que todos os cirurgiões-dentistas já se depararam no consultório estão a odontofobia e a ansiedade odontológica. Com certeza, você já deve ter recebido algum paciente que se sentia inquieto, angustiado e nervoso, mesmo sem saber ao certo qual seria o tipo de tratamento que iria receber. Em alguns casos, pode ser bem complicado e transformar a consulta em um momento de estresse para ambos os lados.
Mas esse não é o único ponto negativo dessa situação: a ansiedade odontológica pode, inclusive, se tornar um motivo para que o paciente desista de receber tratamento para evitar a dor, o medo e constrangimento. E, consequentemente, isso gera uma saúde bucal precária, o que é preocupante. De acordo com o artigo “Iniquidades raciais em saúde bucal no Brasil”, de Sandra Katsue Guiotoku, Simone Tetu Moysés, Samuel Jorge Moysés,
Beatriz Helena Sottile França e Júlio Cezar Bisinelli, a população adulta brasileira caracteriza-se por uma grande perda de dentária e necessidade de prótese.
Ao pensarmos na odontofobia e ansiedade como um dos fatores que podem influenciar na precariedade da saúde bucal, é importante entender o desafio e como cirurgiões-dentistas podem combater. Continue a leitura e entenda melhor a questão!
Ansiedade odontológica ou fobia?
Ansiedade odontológica e fobia parecem termos muitos similares, não é mesmo? E, de fato, há até quem os confunda e utilize para descrever a mesma situação. A verdade é que ambos são conceitos diferentes, em que o primeiro está ligado a uma situação específica, enquanto o segundo requer ajuda psicológica. Vamos entender melhor.
Segundo o artigo “Abordagem de pacientes com ansiedade ao tratamento odontológico no ambiente clínico”, de Jéssica Copetti Barasuol, Claudia Abreu Busato, Patricia Kochany Felipak, José Vitor Nogara Borges Menezes, a ansiedade odontológica é um sentimento que surge de um encontro com um objeto ou situação temida e é caracterizada por tensão, nervosismo, apreensão ou uma preocupação em relação às consultas com o cirurgião-dentista, sem necessitar de algum estímulo para essa sensação.
Já a fobia requer um diagnóstico por profissionais, pois é um transtorno mental relacionado a um medo excessivo que faz com que a pessoa evite uma situação específica ou um objeto. Esse episódio gera um sofrimento emocional que precisa ser considerado, pois prejudica funcionalmente o indivíduo.
Fatores que geram ansiedade odontológica e odontofobia
As raízes da ansiedade odontológica e odontofobia nem sempre são provenientes de situações simples. Em alguns casos, os fatores podem ser o próprio contexto socioeconômico do paciente, a falta de informação ou um medo carregado desde a infância.
No caso deste último fator, o artigo “Medo, ansiedade e controle relacionados ao tratamento odontológico”, de Kira Anayansi Singh, Antonio Bento Alves de Moraes,
Gláucia Maria Bovi Ambrosano, explica que o medo faz parte do desenvolvimento infantil, é momentâneo e, em geral, não causa grandes impactos ao longo da vida.
Entretanto, esse sentimento pode persistir, como a odontofobia, e acompanhar a pessoa por muitos anos. A origem dessa fobia pode vir de experiências traumáticas dentro do consultório enquanto criança, como uma mensagem negativa sobre a odontologia transmitida por algum familiar ou meio de comunicação.
Gustavo Henrique Franciscato Garcia, mestre em Promoção de Saúde e professor da Unicesumar, explica que, além das experiências traumáticas na infância, muitas vezes vindas de tratamentos complexos ou feitos por técnicas antiquadas, outro fator que gera a odontofobia vem de um conceito antigo, em que dentistas eram vistos como “loucos”, pessoas sem escrúpulos e que faziam os outros sofrerem, assim como a ideia de que ir ao consultório é uma “medida punitiva” para crianças
Ainda no estudo “Abordagem de pacientes com ansiedade ao tratamento odontológico no ambiente clínico”, foi constatada uma conexão entre odontofobia e pacientes de baixa renda e escolaridade, que consequentemente acabam por frequentar o consultório com um longo período entre as consultas.
Pensando nisso, os pacientes acabam entrando em um ciclo vicioso: a baixa renda faz com que pessoas tenham menos acesso, consequentemente a saúde bucal é mais precária e, como resultado, os tratamentos serão mais urgentes e dolorosos, gerando uma experiência negativa e que influencia a ansiedade e odontofobia.
Além desses motivos, podemos encontrar outros fatores, como o medo da dor, o sentimento de perda de controle e não saber lidar com a odontofobia, e o constrangimento de ter alguém mexendo em sua boca (sobretudo em situações de dentes em mau estado).
Como medir a ansiedade do paciente
Um episódio de ansiedade não acontece apenas a nível psicológico; o corpo também passa por alterações. Primeiro, ocorrem respostas psicofisiológicas que geram alterações na atividade do ramo simpático do sistema nervoso autônomo. Após essa primeira etapa, acontecem as mudanças no sistema cardiovascular e há aumento da pressão arterial e frequência cardíaca.
Em seguida, as glândulas sudoríparas geram suor, os músculos começam a ter alguns espasmos e a pessoa respira de forma ofegante.
Uma forma de evitar a ansiedade ou um episódio de odontofobia é aferir a frequência cardíaca e pressão arterial. Para isso, você pode contar com a ajuda da sua equipe e preparar uma triagem antes da consulta. Outra forma de evitar essa situação é fazer uma boa anamnese, com anotações sobre ansiedade, nervosismo e fobias, ou contar com métodos utilizados dentro da psicologia, como veremos em seguida.
Escala de Ansiedade-Traço do IDATE
O artigo “Avaliação da estrutura fatorial da Escala de Ansiedade-Traço do IDATE”, de Ana Carolina Monnerat Fioravanti, Letícia de Faria Santos, Silvia Maissonette, Antonio Pedro de Mello Cruz, J. Landeira-Fernandez, explica que essa escala foi criada em 1970 com o objetivo de quantificar graus de ansiedade. Ela é composta por 40 questões de autorrelato e pode mensurar a ansiedade em relação a um evento específico ou se esse transtorno acontece como uma característica pessoal.
É claro que não cabe ao profissional de odontologia fazer qualquer tipo de diagnóstico psicológico, entretanto, a Escala de Ansiedade-Traço pode ser uma ferramenta que direciona cirurgiões-dentistas sobre o grau de ansiedade do paciente no momento do atendimento ou quando estimulado por alguma situação ou objeto.
Cada questão vale até quatro pontos e, portanto, se o resultado for menos de 33, a ansiedade é considerada baixa; se for entre 33 e 49, é considerada moderada; e acima de 49, é alta.
Dental Anxiety Scale (DAS)
O Dental Anxiety Scale (DAS) é aceito no Brasil e é um questionário que vale a pena ter em sua clínica. Ele é composto por quatro perguntas e, portanto, é muito prático e rápido de se fazer em um momento de triagem.
Cada pergunta vale até cinco pontos, e o resultado pode ir de 4 a 20. Se a pontuação for igual ou superior a 15, o grau de ansiedade está muito alto; entre 12 e 14, é moderado; e menos de 11, o paciente está com baixa ansiedade.
Para conhecer o formulário, você pode acessar o artigo “Escala de Ansiedade Odontológica: reprodutibilidade das respostas dadas em entrevistas telefônicas e pessoais”,de Cristina Dupim Prresoto, Sabrina Spinelli Cioffi , Tiago Mendonça Dias , Leonor de Castro Monteiro Lofredo , Juliana Alvares Duarte Bonini Campos.
Venham Picture Test (VPT)
Pensando no atendimento a crianças e adolescentes de até 18 anos, o terceiro teste para mensurar a ansiedade odontológica e odontofobia é o Venham Picture Test (VPT). Nele, vemos oito figuras, cada uma com dois meninos que apresentam emoções diferentes: um está ansioso, o outro calmo. Ao contrário das escalas anteriores, esta não tem pontuação, porém no fim do teste é possível identificar como o paciente se sente.
O VPT pode ser aplicado antes e após o tratamento para avaliar a experiência da criança. Para fazer o download das figuras de VPT, você pode acessar este arquivo.
Como ajudar pacientes?
Afinal, como perder o medo do dentista? O que profissionais podem fazer para transformar esse cenário de odontofobia e ansiedade odontológica? Primeiro, é importante ter consciência que esse trabalho deve acontecer a partir de diversas ações, que vão desde uma conversa com os pais (no caso de crianças) até uma boa educação para a saúde bucal e projetos voltados para pacientes em situação de vulnerabilidade econômica.
Trabalhe com a educação para a saúde bucal
A falta de acesso à informação ainda é uma barreira para muitos brasileiros, especialmente àqueles que têm baixa renda. É comum que as pessoas sintam medo sem conhecer o tratamento ou porque ouviram algum conhecido compartilhar uma experiência de dor.
Portanto, foque sempre em transmitir com clareza os cuidados com a saúde bucal que o seu paciente deve ter. Você pode ensinar isso na consulta e, se tiver, distribuir materiais sobre o assunto. Aproveite para explicar os impactos de uma boa rotina de limpeza da boca e como a ausência dela pode gerar situações complicadas.
Além disso, sempre explique cada etapa de um tratamento com clareza, tire dúvidas e tenha a preocupação de ver com o seu paciente se ele está tranquilo sobre isso. Aqui, é importante estar atento à linguagem corporal para perceber se em algum momento a pessoa demonstra nervosismo ou medo. Se sim, trabalhe com ela esses pontos.
Saia do ambiente hospitalar
O professor Gustavo explica que, por não serem sentimentos racionais, é importante que o cirurgião-dentista trate o paciente de uma forma especial para amenizar a situação e criar um ambiente confortável para ambos os lados.
“Pode-se, dessa forma, preparar a sala de espera com uma decoração que quebre aquele ambiente hospitalar; com música tranquila e, principalmente, uma equipe preparada para lidar não apenas com esse tipo de fobia, mas todos os percalços da mente humana, tendo sempre paciência, compaixão e racionalidade”, conta Gustavo.
O professor ainda indica que o cirurgião-dentista pode trocar o jaleco branco por um mais colorido e receber os pacientes sem os instrumentos à mostra. Para ele, detalhes básicos podem surtir efeito nas pessoas.
Faça uma triagem completa
Muitas vezes, a triagem é uma das etapas que passa batida. No entanto, esse é o momento ideal para começar a analisar episódios de ansiedade e medo. Caso você não consiga fazer, peça para um auxiliar realizar essa preparação, que pode ser a aplicação de uma das escalas de ansiedade citadas anteriormente e o aferimento da pressão arterial e frequência cardíaca.
Se for constatado ansiedade, acalme o seu paciente antes de iniciar o tratamento, converse com ele, descubra qual aspecto lhe gera medo para que você possa trabalhar isso. Explique detalhadamente todos os processos, sempre com sinceridade e sem causar mais pânico.
Em caso de crianças, converse com os pais
Como dissemos anteriormente, muitas vezes, o medo é transmitido pelos próprios pais. Há aqueles que ficam ansiosos pelas crianças e sentem dificuldades em controlar isso, transmitindo insegurança aos pequenos. E há também quem use disso como uma forma de “educar” quando a criança faz algo errado. Por exemplo, quando diz que vai levar para tomar vacina porque se comportou mal.
O cirurgião-dentista deve conversar sobre essas questões e explicar que consultas odontológicas nunca devem ser utilizadas como algo para pôr medo. É importante que os pais transmitam alegria, ânimo e expliquem como é importante cuidar bem dos dentes a partir de conversas didáticas.
Portanto, o cirurgião-dentista deve compreender que, além de toda a parte técnica que a profissão exige, é importante manter um olhar humanizado de atenção aos sentimentos do paciente, já que ele pode trazer experiências negativas. Estudar métodos de medir a ansiedade e garantir o bem-estar é fundamental para consultas eficientes e tratamentos com bons resultados.
Gustavo indica que, para vencer o desafio da odontofobia e ansiedade odontológica, é preciso divulgar que o trabalho atual de um cirurgião-dentista não é o mesmo de 50 anos atrás. “Houve uma modernização no atendimento, pensando sempre no conforto e na melhora do paciente.” De acordo com o professor, as pessoas precisam compreender que a ausência da saúde bucal pode levar à perda precoce de dentes, o que as deixará mais inseguras.
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